Liberdade Individual ou Servidão Voluntária?

 As opiniões expostas neste artigo vinculam exclusivamente os seus autores.

‘’A primeira razão da servidão voluntária é o hábito’’. Étienne de La Boétie foi um filósofo político francês que viveu no século XVI e apresentou ao mundo uma nova visão sobre a natureza do poder, abordando o tema da submissão voluntária.


La Boétie toma o consentimento voluntário das pessoas como a base do poder dos governantes tiranos e procurou explorar a razão pela qual as pessoas se submetem voluntariamente a este tipo de governantes. O autor explica que o poder dos governantes depende diretamente do consentimento e da cooperação dos cidadãos e que, se as pessoas deixassem de obedecer às ordens do regime, as estruturas do poder não seriam sustentáveis e entrariam em colapso.


Uma das questões que mais valorizamos nos dias de hoje é a liberdade individual, que consiste na autonomia pessoal, na autodeterminação, ou seja, na capacidade de tomar decisões sem interferência externa. Este tipo de liberdade é uma caraterística amplamente valorizada em democracias e sistemas que promovem direitos humanos e civis.


Seja pela ‘’simples’’ liberdade de expressão ou pelo ‘’simples’’ direito ao voto, são inúmeras as lutas pela liberdade, à volta de todo o mundo, mas qual é a realidade no nosso quotidiano? Segundo o Índice de Democracia da Economist Intelligence Unit
(EIU) de 2023, 59 países estavam classificados como tendo regimes autoritários, o que quer dizer que, apesar de valorizarmos a liberdade individual, ainda há dezenas de países que não a têm.


A declaração Universal dos Direitos Humanos afirma ‘’ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão’’, então, por que razão – ou razões – ainda existem tantas pessoas sem liberdade?

Os regimes tiranos não respeitam os direitos humanos, que são direitos fundamentais de qualquer pessoa. Sem direitos humanos, não há liberdade (individual), portanto, poderíamos afirmar que não existe qualquer réstia de liberdade na tirania. Mas será isto totalmente verdade?


Claro está que, em regimes tiranos a liberdade de expressão é nula e muitos opositores são perseguidos, porém, voltando a La Boétie, o autor destaca a natureza coletiva da submissão voluntária ao observar que a tirania persiste porque as pessoas, em massa, continuam submetidas a esta, mesmo quando não são obrigadas a fazê-lo. A questão que o autor aborda é a aceitação de se submeter um poder que a priori não é superior, uma vez que, numericamente, os indivíduos existem numa quantidade superior à dos governantes.


Então, torna-se importante falar sobre a força potencial do povo que, unido contra a opressão e coletivamente numa recusa de obedecer, poderia desafiar e quiçá derrubar governantes opressivos. Podemos afirmar que as pessoas se podem libertar de um tirano se perceberem a realidade da sua própria servidão.


A servidão voluntária de cada indivíduo depende apenas de si próprio, então se não existir uma aceitação ou submissão a uma autoridade ou sistema e, se não se preferir a segurança ou benefícios materiais à liberdade total, pode ser possível a resistência à tirania e a liberdade pode ser obtida através de uma união do povo.


La Boétie apresenta o raciocínio de que ‘’Os tiranos, quanto mais pilham mais exigem; quanto mais arruínam e destroem, mais se lhes oferece (…); mas se nada se lhes dá (…), semelhante à árvore que, recebendo mais sumo e alimento para sua raiz, em breve é apenas um galho seco e morto’’, isto dá-nos a ideia de que, se o povo apresentar resistência, o tirano acabará por cair, tal como um ‘’galho seco e morto’’.


Posto isto, existe sempre a liberdade de resistir, a possibilidade de se opor ao regime, demonstrar o descontentamento, seja a um regime tirano ou autocrata, mas também a um regime democrático, uma vez que a voz do povo deve sempre ser ouvida, uma vez que um povo unido, pode derrubar um regime. Exemplo disto é o, tão conhecido por nós, 25 de Abril de 1974, a Revolução dos Cravos, que derrubou o regime ditatorial do Estado Novo, e restaurou a democracia em Portugal.

Portanto, surge como traço comum entre a liberdade individual e a servidão voluntária que, tanto a resistência à tirania como a conquista da liberdade dependem da consciência coletiva e da ação conjunta das pessoas para quebrar o hábito – ‘’a primeira razão da servidão voluntária é o hábito’’ –, contra a opressão, pela liberdade

 

Referências bibliográficas:
LA BOÉTIE, Étienne de, Discurso Sobre a Servidão Voluntária, eBooksBrasil,
2006.
https://razaoinadequada.com/fundamentos/micropolitica/servidao-voluntaria/
https://www.eiu.com/n/campaigns/democracy-index-2023/
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos

Daniel Novais, Estudante Finalista da Licenciatura em Relações Internacionais pela
Universidade de Évora. Representante dos Estudantes no Senado da Universidade de Évora.

Presente em várias
associações universitárias estudantis, tendo sido vice-presidente do NERIUE em 2023. Tem um gosto especial pela organização de eventos e pelo desenvolvimento de projetos.

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