Eleições em França

 As opiniões expostas neste artigo vinculam exclusivamente os seus autores.

Com a crescente divisória política em França que se tem assistido nos últimos anos, as eleições legislativas francesas de 2024 mostravam-se determinantes para estabelecer o rumo político que um dos mais importantes países da União Europeia irá traçar daqui para a frente. O marcante crescimento da extrema-direita em França e pela Europa tem abalado as estruturas políticas na atualidade, pelo que as eleições legislativas francesas poderiam dar uma ideia do verdadeiro avanço desse movimento, tal como  mostrar que reação teria a população tipicamente mais moderada quanto à sua ascensão. Estas eleições, na verdade, surgiram da existência de outra eleição prévia, nomeadamente as Europeias de 2024. 

 

Pois bem, decorrentes das eleições europeias de 2024, os resultados em França foram contrastantes com os resultados gerais em toda a União. Embora, em geral, os resultados terem mostrado um aumento das forças de extrema-direita, as eleições surpreenderam por se registar um progresso bem mais brando desta força política do que inicialmente se previa, passando dos 20% registados em 2019 para 24% em 2024 (Ivaldi, 2024). Em França, as forças de extrema-direita mostraram-se bem mais populares. A União Nacional (Rassemblement National em francês) acabou por sair vitoriosa nas eleições europeias, alcançando pouco mais do dobro da percentagem de votos que o partido em segundo lugar, do presidente Emmanuel Macron (31,37% face aos 14,60% do partido de Macron), levando o próprio a convocar novas eleições a decorrer de 30 de junho a 7 de julho (Lusa, 2024a). 

 

A 30 de junho, após finalizada a primeira volta, nenhum dos partidos conseguiu alcançar mais de 289 lugares no Parlamento francês de modo a conseguir formar maioria absoluta. Assim e mesmo com um valor elevado conseguido pelo Rassemblement National, as sondagens mostraram-se ligeiramente mais otimistas que o resultado real. No caso da coligação Ensenble do presidente Macron a percentagem diminuiu em relação às anteriores legislativas, colocando-se nos 21%. Já os partidos de esquerda conseguiram um resultado mais positivo. Desta forma, a “Nova Frente Popular” que se originou após a convocação de novas eleições conseguiu chegar aos 28%, deixando então as conclusões para a segunda volta. Ora, com o apuramento destes resultados centenas de candidatos mais moderados, em prol de combater a inclinação das eleições ao partido de Le Pen, acabaram por desistir, possibilitando assim um possível maior apoio aos candidatos com mais hipótese de bater de frente com a extrema-direita (Euronews, 2024). 

 

A estratégia funcionou. Após apurados os resultados da segunda volta, a coligação “Nova Frente Popular”, formada pela “França Insubmissa” de Mélenchon, os socialistas, comunistas e os verdes, saiu como vencedora, conseguindo 182 deputados, mas não alcançando, obviamente, a maioria. A coligação de Macron, contrariando os primeiros sinais de um possível terceiro lugar, conseguiu ficar logo a seguir, deixando a terceira posição para a União Nacional, a grande derrotada da noite (Alves, 2024). Esta derrota amargurou as pretensões da extrema-direita francesa, sendo que Marine Le Pen, após as sondagens que apontavam para o decrescimento do voto no seu partido ainda antes da segunda volta, criticou a formação de “um partido único” para derrotar o seu partido (RFI, 2024).

 

Nas últimas semanas, o desafio político em França tem-se prendido com a formação de uma maioria. Emmanuel Macron destacou a importância de dar tempo para que um novo primeiro-ministro seja nomeado, enfatizando igualmente o papel das forças republicanas na construção de uma maioria estável (Lorena, 2024), isto depois de recusar a renúncia de Gabriel Attal, atualmente no cargo de primeiro-ministro, a fim de preservar ao máximo a estabilidade governativa (Lusa, 2024b). Entretanto, a “Nova Frente Popular” parece ter chegado finalmente a um consenso, pelo que apontou a economista Lucie Castets como primeira-ministra, mas Emmanuel Macron já anunciou que não irá nomear um primeiro-ministro com os Jogos Olímpicos a decorrer. A candidata é descrita pela coligação como uma funcionária com um grande papel em relação ao combate à fraude fiscal e financeira e uma defensora dos serviços públicos, apesar de não ser conhecida pela maioria dos franceses. Jean-Luc Mélechon, perante a posição de não nomeação de Emmanuel Macron até ao fim dos Jogos Olímpicos de Paris, apelou à rapidez para a sua indicação (Martins, 2024). 

 

O futuro da França estará agora em expectativa com a coligação de esquerda com a maioria dos assentos parlamentares e com a extrema-direita de Le Pen debilitada após a derrota que a empurrou para o lugar de terceiro partido com mais representação. Contudo, há que ter em conta que a derrota da União Nacional não significa um prego no caixão da extrema-direita francesa. Pelo contrário. É de se notar que, apesar do terceiro lugar, a extrema-direita conseguiu o melhor resultado de sempre, passando de apenas 6 deputados representados em 2017 para 143 em 2024 (Matthijs, 2024), comprovando uma tendência crescente de poder, coincidente com o que está a acontecer pela Europa e pelo mundo. Só o futuro dirá que mudanças políticas se assistirão daqui para a frente. 

 

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Referências bibliográficas

 

Alves, A. (2024, July 8). Esquerda vence em França com 182 deputados. Frente Nacional de Le Pen fica em terceiro com 143. Observador. https://observador.pt/2024/07/08/eleitores-travam-extrema-direita-em-franca-e-esquerda-vence-legislativas-mas-sem-maioria-absoluta/  

 

Euronews. (2024, July 7). Explicador da segunda volta das eleições legislativas em França. Euronews. https://pt.euronews.com/my-europe/2024/07/07/tudo-o-que-precisa-de-saber-sobre-a-segunda-volta-das-eleicoes-legislativas-em-franca 

 

Ivaldi, G. (2024, June 10). EU elections: far-right parties surge, but less than had been expected. The Conversation. https://theconversation.com/eu-elections-far-right-parties-surge-but-less-than-had-been-expected-232018 

 

Lorena, S. (2024, July 9). Macronistas insistem na formação de uma aliança ao centro. PÚBLICO. https://www.publico.pt/2024/07/09/mundo/noticia/macronistas-insistem-formacao-alianca-centro-2096903 

 

Lusa. (2024a, June 10). França. Extrema direita da União Nacional ganhou com 31,37%. França. Extrema Direita Da União Nacional Ganhou Com 31,37%. https://www.rtp.pt/noticias/eleicoes-europeias-2024/franca-extrema-direita-da-uniao-nacional-ganhou-com-3137_n1578314  

 

Lusa. (2024b, July 10). Emmanuel Macron defende “maioria sólida” de “forças republicanas.” PÚBLICO. https://www.publico.pt/2024/07/10/mundo/noticia/emmanuel-macron-defende-maioria-solida-forcas-republicanas-2097155 

 

Martins, A. (2024, July 24). França. Coligação de esquerda propõe Lucie Castets como candidata a primeira-ministra. França. Coligação de Esquerda Propõe Lucie Castets Como Candidata a Primeira-Ministra. https://www.rtp.pt/noticias/mundo/franca-coligacao-de-esquerda-propoe-lucie-castets-como-candidata-a-primeira-ministra_n1588183  

 

Matthijs, M. (2024). What Do France’s Surprise Election Results Mean for the Far Right? | Council on Foreign Relations. Www.cfr.org. https://www.cfr.org/expert-brief/what-do-frances-surprise-election-results-mean-far-right 

 

RFI. (2024, July 4). Marine Le Pen critica formação de “partido único” contra extrema direita, mais distante do poder na França. RFI. https://www.rfi.fr/br/fran%C3%A7a/20240704-le-pen-critica-forma%C3%A7%C3%A3o-de-partido-%C3%BAnico-contra-extrema-direita-mais-distante-do-poder-na-fran%C3%A7a 

Samuel Caires. Natural do Funchal, 22 anos.

Licenciado em RI pela Universidade de Évora, mestrado em RI e Estudos Europeus.

Áreas de interesse: política, geoestratégia e história. 

 

Foi Embaixador Júnior do Parlamento Europeu e membro do Núcleo de RI da Universidade de Évora.

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