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As discrepâncias entre o hemisfério Norte e o hemisfério Sul continuam a ser um dos temas mais debatidos na esfera internacional. As diferenças discutidas abrangem os mais variados tópicos, desde as questões sociais e económicas às questões culturais, ambientais, políticas e tecnológicas. A cena internacional é palco não só desse debate como da evidência dessas próprias dicotomias, onde se tenta de igual forma fazer chegar os problemas ao conhecimento geral e fazer com que os mesmos sejam alvo de crescente atenção, a fim de serem resolvidos. A discussão em torno da existência desses problemas não se prende apenas à sua existência por si só, mas também às condições que permitiram essa realidade ser como é, o que, por mais que seja relevante para o processo de mudança, se mostra muitas vezes o maior impasse para chegar a obter resultados positivos. Pois bem, exploremos neste artigo, de uma forma geral (uma vez que seria impossível descrever todas as nuances envolvidas nestas questões nestes moldes) algumas das disparidades entre o “Norte Global” e o “Sul Global” e os seus antecedentes.
A génese dos fenómenos a que assistimos hoje, muitos deles, principiaram com o começo das expansões europeias iniciadas pelos europeus no século XV, que deram origem à globalização e à consequente subjugação dos povos não europeus. O começo desta vontade de exploração deu-se, não só mas em parte, graças ao desejo europeu de obter riquezas e comodidades que não se encontravam no continente europeu, mas em África e na Ásia (Brooks, 2020). A partir daí, a ideia de superioridade europeia começou a fermentar-se, primeiro baseada nos avanços tecnológicos e na organização política, depois segundo o preceito de capacidades inatas ao humano europeu, que posteriormente evoluiu, juntamente com o aparecimento da teoria de Darwin, para depreciações dos Homens não europeus por razões étnicas e pseudocientíficas, servindo de motivo para manter os princípios colonialistas (Diamond, 1997). As consequências do colonialismo são então a principal razão para a maioria das desigualdades que são amplamente discutidas hoje.
Embora, na teoria, a era colonial já não seja uma realidade, a verdade é que as suas consequências e a continuação da exploração dos países do hemisfério sul pelos do hemisfério norte não deixou de acontecer. Desta forma, os instrumentos políticos, económicos e militares são usados ainda hoje como ferramentas de aproveitamento dos recursos presentes nos países do Sul Global, estabelecendo ligações internacionais fundadas pelas grandes potências que ainda procuram aproveitar-se das vantagens da exploração internacional e, com isso, defender os seus interesses e objetivos (Agbaehnyi & Oddih, 2012). Prova disso é, por exemplo, a gigante influência que França tem sobre a economia do continente africano, com o uso do Franco CFA: “Em julho de 1960, o primeiro-ministro francês Michel Debré escreveu ao seu homólogo gabonês Léon Mba: “Concedemos a independência na condição de o Estado independente se esforçar por respeitar os acordos de cooperação… Um não passa sem o outro”. No que respeita à moeda, esta “cooperação” significava que os novos países independentes teriam de manter o franco CFA. A Guiné, sob a liderança do sindicalista Sekou Touré, recusou-se a jogar as regras do jogo. Após a independência em 1958, saiu da zona do franco em 1960. Como represália, os serviços secretos franceses inundaram a sua economia com notas falsas. Segundo os seus relatos, esta sabotagem foi muito bem sucedida na desorganização da economia guineense.” (Sylla, 2020). Muitos mais exemplos podiam ser dados, mas, é importante perceber também as diferentes visões sobre o assunto.
De forma sucinta, temos o chamado “paradigma de Bretton Woods” que indica que as origens da pobreza assentam sobre as decisões económicas tomadas ao longo do tempo pelos Estados, ao passo que, de acordo com as Nações unidas, a pobreza sentida nestes países (no caso aqueles que se encontram maioritariamente no hemisfério sul) é agravada pela falta de cooperação internacional (Therien, 1999) para fazer face às barreiras impeditivas ao desenvolvimento. Como mencionado de início, estas clivagens alastram-se aos mais variados extratos do Estado e, como tal, há cada vez mais um tópico a ser debatido nesta questão, o ambiente. Ora, Com dois hemisférios em diferentes planos de desenvolvimento torna-se quase impossível caminhar rumo aos mesmos objetivos, visto que aos países do sul, em meio a outros problemas estruturais, como a pobreza extrema, não têm a mesma capacidade de se adaptar às mudanças necessárias para reverter a emergência climática.
Os países do Sul hoje não podem nem devem desenvolver-se pelos mesmos meios que os ex-impérios, o que, mesmo com o bem comum em jogo, não agrada politicamente países com economias emergentes e países que ainda caminham para esse patamar. Apesar de todas estas dificuldades, o mundo, na sua generalidade reconheceu e reconhece os problemas climáticos e como tal assistiu-se ao progredir da consciencialização sobre o perigo das alterações climáticas, com conferências muito importantes como a UNCED (ou Eco 92, no Rio de Janeiro), onde se alargou o debate e se tentou corrigir o que não foi feito anteriormente, na Declaração de Estocolmo (Alam et al., 2015). O relatório que antecedeu este último (o Eco 92), intitulado de Relatório Brundtland, lançou as bases para a nova abordagem quanto ao problema ambiental, inferindo que esta questão é bem mais do que o consumo acima da média e a poluição. É, pois, um problema estrutural que só pode ser contornado com medidas abruptas seguidas por todos (Alam et al., 2015). Apesar de esforços como os supramencionados e à semelhança das outras discrepâncias, ainda há um longo caminho a percorrer. Certamente, continuar a apostar nos acordos internacionais pró-ambientalistas será o caminho, como o que aconteceu nos Emirados Árabes Unidos, com a COP28, mas o facto de que cada um dos países não parte do mesmo lugar rumo a um objetivo comum não deixará de ser um enorme obstáculo, tanto para a humanidade como um todo, como para os países que partem em maior desvantagem.
No quesito das tecnologias, também ligado à questão ambiental, a situação é similar, pois: “ O desenvolvimento da informação e das comunicações foi acompanhado de uma amarga contradição. Quanto mais se avançava, maior era o fosso tecnológico entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Enquanto alguns países falavam em acelerar o desenvolvimento da Internet e dos meios de comunicação mais sofisticados, outros enfrentavam níveis muito elevados de iliteracia e de pobreza. Cerca de 97% dos servidores da Internet estavam localizados em países desenvolvidos.” (Rafael Dausa Cespedes, Nações Unidas, 2001). Este testemunho deixa mais que evidente que os processos que podem tornar a distância entre os países desenvolvidos do norte e os países em desenvolvimento do sul mais próximos dependem de imensos fatores pois, mesmo que seja possível a assistência mútua, os problemas com que cada hemisfério tem de lidar são completamente diferentes e por isso, constituem só por si um grande entrave ao desenvolvimento e a consequente aproximação dos países desenvolvidos.
Na verdade, este tema daria para muito mais discussão, discussão essa que de resto já é comum no meio académico, revelando não só a sua relevância como também a preocupação crescente neste tema. Neste artigo, o objetivo foi o de efetuar uma apresentação geral que cative o leitor à pesquisa mais aprofundada do assunto, para que a nossa consciência coletiva se vire cada vez mais para temáticas que influenciam questões internacionais, para que a discussão do mesmo seja cada vez mais séria e para que, por consequência, num possível futuro, as pequenas diferenças e ações tragam grandes resultados.
Referências
Agbaehnyi, A. N., & Oddih, C. (2012). NORTH-SOUTH DIALOGUE AND GLOBAL INEQUALITY: MEANING, CHALLENGES AND PROSPECTS ALEXANDER NNAEMEKA AGBAENYI. https://escholarship.org/content/qt1r49428q/qt1r49428q_noSplash_ac090c06bc552b05bc912a8e0bffedf3.pdf?t=o9ixo0/1000
Alam, S., Atapattu, S. A., Gonzalez, C. G., & Razzaque, J. (2015). International environmental law and the Global South. Cambridge University Press, Cop.
Brooks, C. (2020, January 6). Chapter 5: European Exploration and Conquest. Pressbooks.nscc.ca; NSCC. https://pressbooks.nscc.ca/worldhistory/chapter/chapter-5-european-exploration-and-conquest/
Diamond, J. (1997). Guns, germs, and steel: the fates of human societies. Norton.
Nações Unidas. (2001). BRIDGING DIGITAL DIVIDE BETWEEN INDUSTRIALIZED AND DEVELOPING COUNTRIES STRESSED IN COMMITTEE ON INFORMATION DEBATE | UN Press. Press.un.org. https://press.un.org/en/2001/pi1339.doc.htm
Sylla, N. S. (2020). The Franc Zone, a Tool of French Neocolonialism in Africa. Jacobin.com. https://jacobin.com/2020/01/franc-zone-french-neocolonialism-africa
Therien, J.-P. (1999). Beyond the North-South divide: The two tales of world poverty. Third World Quarterly, 20(4), 723–742. https://doi.org/10.1080/01436599913523
Samuel Caires. Natural do Funchal, 22 anos. Licenciado em RI pela Universidade de Évora, mestrado em RI e Estudos Europeus.
Áreas de interesse: política, geoestratégia e história. Foi embaixador júnior do Parlamento Europeu e membro do Núcleo de RI da Universidade de Évora.
