A Teoria dos Jogos aplicada às Relações Internacionais

 As opiniões expostas neste artigo vinculam exclusivamente os seus autores.

 

Uma das características da disciplina académica das Relações Internacionais (RI) é a sua interdisciplinaridade. Esta característica permite às RI incorporar diferentes abordagens teóricas e conceitos provenientes de outros áreas académicas, como é o caso da História, da Geografia, da Filosofia, até da Matemática, de maneira a produzir o seu próprio conhecimento. É desta maneira que podemos encontrar a maneira como a Teoria dos jogos é aplicada nas RI.

 

Comecemos por compreender o que é a “Teoria dos jogos”. A Teoria dos jogos foi desenvolvida por diversos matemáticos e economistas ao longo do século XX. Em 1944 John von Neumann e Oskar Morgenstern publicaram o livro “Theory of Games and Economic Behavior” (“Teoria dos Jogos e Comportamento Económico”), que é considerado um marco fundamental na formalização e sistematização da teoria dos jogos. Nesta obra, eles estabeleceram os conceitos básicos, como o jogo de soma nula.

 

Esta teoria trata-se de um ramo da matemática e da economia que estuda a interação estratégica entre diferentes agentes, também chamados de “jogadores”. Estas interações são feitas com base em “jogos”, situações com regras, estratégias e resultados específicos que podem ser definidos em linguagem matemática. Os jogadores tomam decisões com base nas ações dos outros, antecipando as possíveis escolhas e procurando maximizar os seus próprios resultados. Desta forma é possível compreender o objetivo da Teoria dos jogos – age como uma ferramenta que permite compreender situações em que interagem dois (ou mais) decisores. Isto, pois, os desfechos das decisões dependem frequentemente das ações dos outros (por exemplo, o resultado de umas eleições depende dos votos da população, e das considerações que tomam no ato de votar).

 

A Teoria dos jogos procura modelar situações em que os resultados de uma decisão dependem das escolhas feitas pelos outros participantes. Esta teoria continuou a evoluir e a ser aplicada em diversas disciplinas, ampliando o seu impacto além da matemática economia para campos como a ciência política, ou a biologia. Assim sendo, de que forma é que é aplicada nas RI? 

 

A Teoria dos jogos aplicada às RI oferece uma abordagem única para abordar as relações internacionais, ao trazer o foco para a natureza estratégica das interações entre os diferentes atores internacionais na cena global, nomeadamente, as decisões racionais. A Teoria dos jogos tenta explicar a forma como os atores agem racionalmente num ambiente incerto normalmente pautado pela competição. Na Teoria dos jogos, os atores atuam de forma racional para favorecer os seus interesses ao maximizar os seus ganhos, considerando as escolhas e reações dos outros agentes envolvidos.

 

Nas RI, esta teoria é uma abordagem teórica que oferece uma maneira para entender como os atores internacionais, por exemplo, estados, adotam certas estratégias para atingir os seus objetivos – oferece uma maneira de modelar os diferentes “jogos” das RI. Apesar das críticas que contestam a aplicabilidade desta teoria às relações internacionais (exemplo, assumir que os estados tomam decisões racionais com base naquilo que esperam que seja a forma de agir dos outros “jogadores”) vários teóricos têm aplicado a Teoria dos jogos a casos concretos de estudo nas RI, tendo-se também estabelecido cursos específicos que explicam a forma como esta teoria pode ser aplicada à disciplina académica. Para melhor compreensão, vejamos um caso prático para compreender a forma como esta teoria é aplicada a casos de estudo nas RI. Voltando atrás no tempo, aos tempos da Guerra Fria, um período de alta tensão geopolítica e confronto indireto entre os Estados Unidos da América e a União Soviética, podemos encontrar um caso clássico na Teoria dos jogos – o dilema dos prisioneiros.

 

O dilema dos prisioneiros é uma situação em que dois prisioneiros são capturados e mantidos em isolamento, sem poder comunicar um com o outro. Cada prisioneiro é interrogado separadamente e confrontado com duas opções: cooperar com o outro prisioneiro (cooperação) ou trair o outro prisioneiro (traição). Se um decidir cooperar e o outro decidir trair, o que trair sai em liberdade, e o que cooperar pode receber uma sentença muito pesada (ou seja, é a situação ideal para um, e a pior das situações para outro).  Se ambos optarem por trair, recebem uma sentença mais pesada (ou seja, é a pior das situações para ambos os lados). Porém, se ambos decidirem cooperar, recebem uma sentença mais leve (que é, dentro da situação hipotética, a que obtém maior grau de satisfação para ambas as partes).

 

Durante o período da Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética estavam envolvidos numa competição geopolítica intensa, caracterizada por uma rivalidade ideológica, corrida armamentista e ameaças de um possível conflito nuclear. Neste cenário tenso, os líderes políticos de ambos os lados muitas vezes encontravam-se em situações em que tinham que tomar decisões estratégicas sobre cooperação (por exemplo, diminuir a escalada armamentista) e de confronto (por exemplo, intensificar a escalada armamentista), semelhantes às escolhas dos prisioneiros no jogo.

 

Se ambos os lados cooperassem (evitando pontos de conflito e procurando soluções diplomáticas), poderiam evitar os custos humanos e materiais de uma guerra total. No entanto, se um lado optasse por estimular uma situação de confronto, enquanto que o outro cooperasse, poderia obter vantagens estratégicas às custas do adversário – o que ilustra a incerteza destes tempos, bem como a constante rivalidade que caracterizou este período histórico da segunda metade do século XX.

 

Em suma, a interdisciplinaridade das RI permite estabelecer uma análise rica e multifacetada para melhor compreender os diferentes fenómenos globais que a disciplina aborda. Juntamente com a Teoria dos jogos é possível uma abordagem abrangente e profunda para melhor compreender as complexas relações entre os atores internacionais. Ao integrar conceitos e métodos matemáticos, esta dinâmica oferece uma visão mais holística e sofisticada das dinâmicas globais, contribuindo para uma maior compreensão das questões globais por outro prisma, ao mesmo tem que suscita mais debates dentro das RI.

 

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Dixit, A., Skeath, S., Reyley, D. (2015). Games of strategy. W. W. Norton & Company.

 

Gibbons, B. (1992). A Primer in Game Theory. Pearson Academic. 

 

Guner, S. (2012, 21 de junho). A Short Note on the Use of Game Theory in Analyses of International Relations. E-International Relations. https://www.e-ir.info/2012/06/21/a-short-note-on-the-use-of-game-theory-in-analyses-of-international-relations/#google_vignette

 

McCarty, N., Meirowitz, A. (2014). Political Game Theory: An Introduction. Cambridge University Press.

 

Rasmusen, E. (1989). Games and information: An introduction to game theory. B. Blackwell.

Miguel Toscano, Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade de Évora, Mestrando em
Relações Internacionais pela Universidade de Aalborg.

Durante os estudos passou por
várias associações estudantis, tendo sido presidente do NERIUE em 2021. Para além
disso, profissionalmente já teve experiência nos ramos da investigação e da gestão de
projetos. Tem forte interesse em temas das RI como a Governança Global, Estudos de
Desenvolvimento e Estudos Ambientais

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