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No final do mês de outubro a República Popular da China (RPC) publicou um novo documento a respeito da sua política externa, intitulado “Perspetivas da Política Externa da China em relação à sua vizinhança na nova era”. No prefácio deste pedaço de política externa a RPC assume-se como um membro da família asiática, sempre disposta a zelar pela paz, estabilidade, o desenvolvimento e a prosperidade regional como parte da sua agenda diplomática. O documento aborda quatro tópicos pertinentes: as novas oportunidades e desafios que o continente asiático enfrenta; o progresso nos laços bilaterais entre a RPC e os seus países vizinhos; os conceitos e propostas da diplomacia de vizinhança da China para a Nova Era; e a nova visão para o “século asiático” na Nova Era.
O primeiro ponto começa com uma referência ao relatório do 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCC), sensivelmente um ano depois deste ser publicado, em que o presidente Xi Jinping faz um olhar sobre o passado Plano Quinquenal e os desafios futuros com que a China terá de lidar, bem como as perspetivas de adaptar o marxismo ao contexto chinês e mundial e o papel do (PCC) para a nova era, entre outros aspetos.
No novo documento sobre a Política Externa de vizinhança é reforçado que se aproximam tempos de mudança como nunca vistos, em que o continente asiático pode provar ser um ponto de partida para desenvolvimento e revitalização, dado o crescimento económico e as dinâmicas de cooperação que surgiram ao longo das décadas passadas. Apesar de ser vista como uma região promissora, são assumidos alguns desafios com que o sistema global se depara, como o ressurgimento da mentalidade da Guerra Fria, a disfuncionalidade da governança global, e problemas globais como as alterações climáticas. No final é destacado que para prosperar, tanto a nível mundial como regional, é necessário constituir uma comunidade que partilhe um futuro em comum, assente em valores como a abertura, a solidariedade, a cooperação, a justiça e a harmonia.
O segmento sobre a evolução das relações bilaterais refere que desde o século passado a Ásia como região tem progredido em direção à paz, à estabilidade, ao desenvolvimento e à prosperidade, destacando que tal foi possível visto que a China e os restantes seguiram valores comuns cinco princípios da coexistência pacífica (parte intrínseca da política externa chinesa), bem como o espírito de solidariedade, amizade e cooperação de Bandung. Mais ainda, é referido que desde o 18º Congresso Nacional do PCC a relação da China com os seus países vizinhos tem vindo a melhorar e produzir resultados positivos, sendo nomeados alguns exemplos como as relações estratégicas estabelecidas com 28 países e por meio de acordos sub-regionais como é o caso da ASEAN, ou o sucesso da Belt and Road Initiative, um ambicioso projeto de desenvolvimento inspirado pela antiga rota da seda. Reforça-se que os notáveis progressos só foram possíveis graças aos esforços de todos os países envolvidos.
Olhando para as propostas da diplomacia de vizinhança da China para a Nova Era, é destacado que a China planeia dar continuidade e estabilidade à sua diplomacia de vizinhança, estabelecendo laços profundos com os seus países vizinhos e agindo com base em princípios de amizade, sinceridade, benefício mútuo e inclusão. São também realçados outros princípios que pautam a China e as relações internacionais, como o respeito pela soberania e integridade territorial de todos os países (princípio da não ingerência) e planos futuros como a reunificação nacional.
Por fim, a nova visão para o “século asiático” na Nova Era reflete a necessidade de construir conjuntamente um lar pacífico e seguro, de modo a assegurar a paz e estabilidade para permitir o desenvolvimento e a prosperidade. A China compromete-se a trabalhar junto dos países da região, permitindo um modelo de ação coordenada e efetiva assente nos pilares da conetividade, desenvolvimento, segurança e intercâmbios interpessoais e centrando-se em seis áreas de cooperação do sector político, economia e comércio, ciência e tecnologia, segurança, intercâmbios interpessoais e desafios globais nos mais diversos aspetos.
Na conclusão do documento é realçado que a Ásia está pronta para os desafios que se avizinham, e que o sucesso da Ásia representará trará benefícios para o resto do mundo. Desta forma a RPC compromete-se a fazer os esforços possíveis para estabelecer laços de cooperação efetivos que permitam concretizar o sonho asiático de paz duradoura e desenvolvimento comum.
Após a análise é possível dizer que se trata de um documento compreensivo e sucinto, interligando as conquistas dos últimos anos com elementos das antigas civilizações asiáticas, enquanto também oferece uma visão dos tempos futuros que se aproximam e os desafios/oportunidades que isso oferece para o continente asiático e os seus países.
Um ponto que ressalta nos tópicos abordados ao longo das perspetivas anteriormente referidas é que a China não tem feito progressos apenas junto dos países com os quais partilha fronteira, mas sim com os vários países do continente asiático (chega até a ser referida a Índia, com a qual a China tem tido alguns problemas), reforçando o seu status de potência regional.
Para além disso, especialmente desde a segunda metade do século, o fenómeno que conhecemos como “Globalização” permitiu aprofundar os laços económicos, políticos, sociais e culturais entre os diversos países do mundo, estabelecendo relações de interdependência. Num mundo globalizado e interdependente torna-se importante estabelecer boas relações com os diferentes países, sobretudo países vizinhos, sendo este “primeiro nível” um espaço importante que requer especial atenção para construir e manter boas relações. Isto é algo particularmente relevante para a China, tendo em consideração que ao longo dos anos, especialmente nas últimas décadas, tem crescido e desenvolvido a um grande ritmo, tornando-se uma superpotência. Graças aos avanços conquistados e ao papel desempenhado pelos diferentes líderes chineses o país foi capaz de se (re)assumir como um dos principais atores à escala mundial.
Mais ainda, há também a constante referência da necessidade de partilhar valores e objetivos em comum, desenvolver relações de benefício mútuo e construir um futuro em conjunto. É uma visão de certa forma reminiscente do conceito de “Tianxia”, um termo com raízes na cultura e tradição da China. Tipicamente traduzido para “todos sob o mesmo céu”, é um conceito filosófico que encapsula a ideia de uma ordem mundial na qual todos os seres humanos coexistem sob a mesma ordem cósmica. Este conceito foi passado de geração em geração, sendo uma das interpretações modernas a ideia de uma ordem mundial baseada na coexistência pacífica e na cooperação entre diferentes nações.
Trata-se de uma ideia que se poderia aplicar a uma redefinição da ordem mundial, uma em que a China se apresenta como um ator responsável em unir os povos do mundo. Este é um ponto que é mencionado na conclusão do documento anteriormente analisado, onde está presente a ideia de “Uma Ásia, um futuro”, sugerindo a ideia de que as diferentes nações devem tomar um rumo coletivo que lhes permita prosperar e assegurar um futuro estável. O documento vai ainda mais além, referindo que “quando a Ásia prospera, todo o mundo beneficia”, revelando que não se trata apenas de algo positivo no domínio regional, mas também global, aplicando a ideia de todos os unidos sob o mesmo céu.
Em suma, as “Perspetivas da Política Externa da China em relação à sua vizinhança na nova era” refletem o espaço que a China ocupa na região asiática, assumindo-se como uma potência ainda em desenvolvimento que está consciente da importância em ter boas relações com os seus vizinhos. Desta forma descreve o percurso já percorrido pelas nações asiáticas em conjunto e os frutos do seu trabalho, complementando com a sua visão para o futuro e reforçando a necessidade de trabalhar em conjunto para atingir objetivos que possam trazer benefício mútuo.
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Ministry of Foreign Affairs of the People’s Republic of China (2022, October 25). Full text of the report to the 20th National Congress of the Communist Party of China. https://www.fmprc.gov.cn/eng/wjdt_665385/zyjh_665391/202210/t20221025_10791908.html
Ministry of Foreign Affairs of the People’s Republic of China (2023, October 24). Outlook on China’s Foreign Policy on Its Neighborhood In the New Era. https://www.fmprc.gov.cn/eng/wjdt_665385/2649_665393/202310/t20231024_11167100.html
Zao, T. (2021). All under Heaven: The Tianxia System for a Possible World Order. https://doi.org/10.2307/j.ctv1n9dkth
Zhang, Y (2022). China’s Relations with Neighboring States and Regions: A Comprehensive Perspective. China Watch Vol. 2, No. 33. ISSN 2786-2860
Miguel Toscano
Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade de Évora, Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de Aalborg. Durante os estudos passou por várias associações estudantis, tendo sido presidente do NERIUE em 2021. Para além disso, profissionalmente já teve experiência nos ramos da investigação e da gestão de projetos. Tem forte interesse em temas das RI como a Governança Global, Estudos de Desenvolvimento e Estudos Ambientais
