Os Direitos Humanos são importantes e bla bla bla…

Os direitos humanos são importantes e, no que toca à solidariedade entre os povos, é aquele ponto que talvez mais nos apercebamos dessa mesma solidariedade. Destes podemos referir o direito à vida digna, ao emprego, à habitação, à saúde, à educação, à água potável, à comida, entre muitos outros. Os Estados também tendem a olhar para os direitos humanos, não porque são direitos inerentes a todas pessoas e que devem ser defendidos, mas como algo que lhes pode trazer mais benefícios em termos de influência regional e internacional e, consequentemente, de poder.

Como seria de esperar, os Estados Unidos da América estão novamente no centro desta dicotomia – já não bastava as constantes investidas “democráticas” ao longo do século XX. Como foi noticiado pela Orbis na rúbrica “Acontecimento da Semana”, no dia 7 de Dezembro, os EUA pretendem proceder, e passo a citar a rúbrica, “a um boicote diplomático aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, que se realizarão sob a alçada chinesa, em Pequim entre 4 e 20 de Fevereiro de 2022”. Ainda nesta notícia é referido o porquê dessa decisão e volto a citar a mesma notícia, mas desta vez o que disse Jen Psaki, porta-voz da Casa Branca: “a administração Biden não enviará nenhuma representação diplomática ou oficial aos Jogos Olímpicos de Inverno de 2021 de Pequim e Jogos Paralímpicos, dado o atual genocídio e crimes contra a humanidade na zona de Xinjiang por parte da República Popular da China e outras violações de direitos humanos”. Deixemos agora esta parte assim em banho-maria, mas não se preocupem que já cá voltamos.

Agora falemos de outro grande evento, também a acontecer em 2022, mas que não teve nem metade da atenção por parte dos media nacionais e internacionais, nem sequer pelos Estados que pediram o boicote aos Jogos Olímpicos de Inverno na China, como os EUA, o Canadá, o Reino Unido, etc. – o mundial de futebol de 2022 no Qatar. Agora perguntam vocês, ou então não, por que raio é que se vem falar do mundial de futebol quando se está a falar da China e do boicote aos jogos olímpicos de inverno?  Resposta muito fácil e rápida: para mostrar a hipocrisia dos EUA, mas também de outros Estados ocidentais, no que concerne à defesa dos direitos humanos, como alegadamente dizem. Uma investigação do The Guardian demonstrava, já em 2013, que trabalhadores nepaleses no Qatar se encontravam em situação de escravatura (Pattisson, 2013). Esta investigação demonstra também evidências de trabalho forçado em infraestruturas para o mundial; nepaleses afirmaram não serem pagos, para que não consigam fugir da situação em que se encontram; trabalhadores referiram a recusa de água grátis; entre outras violações de direitos humanos básicos (Pattisson, 2013). No entanto, a euforia do futebol e do mundial de 2022 tem colocado esta constante violação dos direitos humanos de lado e faz com que as vozes daqueles que mais se opuseram à realização do mundial de 2022 no Qatar sejam esquecidas (Saam, 2021).

“We were working on an empty stomach for 24 hours; 12 hours’ work and then no food all night,” said Ram Kumar Mahara, 27. “When I complained, my manager assaulted me, kicked me out of the labour camp I lived in and refused to pay me anything. I had to beg for food from other workers.” (Pattisson, 2013, para. 14)

Ram Mahara não é caso único, havendo outras tantas pessoas que continuam a aguardar o pagamento há mais de dois anos (Saam, 2021) e ao mesmo tempo não foi o mundial que trouxe a escravatura ao Qatar. No entanto, não podemos ignorar todo o background de pessoas escravizadas que estão a ser utilizadas para que o mundial seja realizado.

Agora já podemos voltar atrás um pouco. Portanto vamos lá ver se percebemos bem: os EUA pretendem boicotar diplomaticamente os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 na China devido a violações de direitos humanos, dizem eles!!!. Mas, em relação ao mundial de futebol no Qatar não se ouve nem um piu. Aqui se demonstra a importância dos direitos humanos no que toca às decisões dos EUA. Os direitos humanos são importantes e bla bla bla, mas apenas quando estes podem ser instrumentalizados com o objetivo de projetar a sua influência contra uma potência em emergência e que vem destabilizar a ‘hegemonia’ e poderio dos EUA no sistema internacional. Podemos ainda ver como esta visão perpetuada sob países que fazem frente ao imperialismo dos EUA, como é o caso de Cuba ou de outros países na América Latina que têm visto os seus avanços anti-imperialistas denegridos nos media internacionais de forma a impor um regime pró-EUA. Quando falamos da violação dos direitos humanos noutros países, sejam eles o Qatar, como aqui está demonstrado, ou, por exemplo, Israel com a política de apartheid e genocídio à população palestiniana, os EUA fazem de conta que não vêem e continuam com o financiamento de Israel, ou com a venda de armas e drones ao Qatar (Biden Administration to Proceed, 2021; Kube et al., 2021).

Portanto, os direitos humanos são mesmo bla bla bla para os Estados Unidos da América.

Hugo Pires

Mestrando em Políticas Públicas

ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa

Bibliografia

Biden administration to proceed with $ 23bn arms sales to UAE. (2021). Aljazeera. https://www.aljazeera.com/news/2021/4/14/biden-administration-to-proceed-with-23b-arms-sales-to-uae

Kube, C., Luce, D. de, & Lederman, J. (2021). Pentagon favors U.S. sale of more than $ 500 million worth of armed drones to Qatar, but State Department is wary. NBC News. https://www.nbcnews.com/politics/national-security/pentagon-favors-u-s-sale-more-500-million-worth-armed-n1282413

Pattisson, P. (2013). Revealed: Qatar’s World Cup “slaves.” The Guardian. https://www.theguardian.com/world/2013/sep/25/revealed-qatars-world-cup-slaves

Saam, S. (2021). World Cup 2022 in Qatar: Buzz growing as threat of boycotts dwindles. Deutsche Welle. https://www.dw.com/en/world-cup-2022-in-qatar-buzz-growing-as-threat-of-boycotts-dwindles/a-59848445