Hamas e Fatah: propósitos comuns e concordâncias

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Na Palestina, são reconhecidos dez movimentos pertencentes à Organização Para a Libertação da Palestina (OLP): o Fatah, que se veio a desdobrar em três  (já abordaremos esse tema), a Frente Popular Para a Libertação da Palestina (FPLP), a Frente Democrática Para a Libertação da Palestina (FDLP), a União Democrática da Palestina (UDP), o Partido Popular da Palestina (PPP), a Frente de Libertação da Palestina (FLP), a Frente da Luta Popular da Palestina (FLPP)  e a Frente Popular Para a Libertação da Palestina-Comando Geral (FPLP-CG). Fora da OLP, o movimento palestino abrange seis grupos: o Hamas, a Jihad Islâmica (JI), os Comités de Resistência Popular (CRP), a Iniciativa Nacional da Palestina (Al-Mubadara), a Terceira Via e o Hizb Ut-Tahrir. A OLP pode ser considerada um partido composto pelas fações mencionadas em cima, sendo que a Fatah é a maior e a dominante entre elas (desde a Guerra Israelo-Árabe de 1967, a comando de Yasser Arafat) e a FPLP logo a seguir. Já as outras fações parecem ter cada vez menos importância, sendo que poderão ser representadas por uns poucos deputados ou ativistas incapazes de rivalizar com a capacidade de adesão da Fatah.  

Neste artigo, centrar-nos-emos no Fatah, fação mais notória da OLP, e no Hamas. 

O que conhecemos por OLP hoje foi pela primeira vez formalizado em Jerusalém a 2 de Junho de 1964, data da primeira reunião do Conselho Nacional da Palestina. É certo que foi uma resposta a um pedido e a planos apresentados na primeira cimeira da Liga Árabe no Cairo em Janeiro de 1964 no sentido da criação de uma organização que representasse os palestinos. Durou dez anos até que a OLP fosse oficialmente reconhecida em conjunto pela Liga Árabe e pela Assembleia Geral das Nações Unidas como o “único legítimo representante do povo palestiniano”, logo antes de ter sido convidada a participar em todas as atividades das Nações Unidas (ONU) como observador. Regida por uma lei fundamental, que estabelece os poderes e relações entre os seus órgãos, a OLP abrange as fações política mencionadas acima (exclui movimentos tais como o Hamas e a Jihad Islâmica) e institucionalmente divide-se de forma tripartida: o Conselho Nacional Palestino, um parlamento eleito pelos palestinos (que não sejam cidadãos de Israel); o Conselho Central, um corpo de tomada de decisões com cento e vinte e quatro membros eleitos pelo Conselho Nacional Palestino; o Comité Executivo, de dezoito membros e que é elegido por qualquer um dos órgãos anteriormente mencionados, elegendo reciprocamente o secretário-geral da própria OLP. 

A Autoridade Palestiniana, por sua vez, foi inaugurada em Jericó no âmbito do Acordo Gaza-Jericó (parte dos Acordos de Oslo), o que possibilitou o regresso da influência do da OLP ao anteriormente território ocupado. A partir daqui e, portanto, segundo uma das mais conhecidas fontes de direito internacional, o OLP obteve controlo civil e militar sobre as áreas urbanas e apenas controlo civil nas áreas rurais, sendo que o resto do território ficou sob controlo de Israel, incluindo colonatos e o Vale do Rio Jordão. Portanto, a Autoridade Palestiniana resultou principalmente de uma pretensão de (re)distribuir soberania e controlo territorial entre Israel e a Palestina. 

“Fatah” é o acrónimo reverso de Harakat al-Tahrir al-Filistiniya (Movimento Para a Libertação Nacional da Palestina, em árabe), sendo que “fatah” significa “conquistar” (em árabe). A origem do movimento data da “limpeza étnica da Palestina pelo movimento sionista com o objetivo de criar um estado moderno na histórica Palestina” a que se deu o nome de Nabka, ocorrida em 1948. Entre os seus fundadores estão Yasser Arafat, o já falecido presidente da Autoridade Palestina, e o atual presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abas.

O Hamas, ou Movimento de Resistência Islâmica, foi fundado no início da Primeira Intifada em Dezembro de 1987 pelo xeque Ahmad Yassin e por outros membros da Irmandade Islâmica da Palestina. Uma amálgama poderosa de Islamismo e nacionalismo, o Hamas formou-se enquanto fação dissidente da Irmandade Mulçumana e abertamente focada em desafiar a primazia política da OLP. A 18 de Agosto de 1988, o Hamas publicou o seu convénio, um documento de trinta e seis artigos em defesa de síntese do Islamismo e do nacionalismo palestino. Os seus redatores claramente planeavam a criação de um estado governando conforme a lei islâmica e viam a “jihad” como um dever vinculador a todos os muçulmanos”. Mais detalhadamente, os artigos revelavam-se completamente adversos a qualquer cedência de terra (a Israel). Em 2017, o Hamas apresentou um documento em que revelava o seu rompimento com a Irmandade Islâmica e afirmando a plausibilidade da fundação de um estado conforme as fronteiras de 1967 mediante o regresso dos refugiados palestinos. Contudo, não deixou de reconhecer “nenhuma alternativa à total e completa libertação da Palestina, do rio ao mar”.

Atualmente, o Fatah e o Hamas são os dois partidos dominantes da cena política palestina. Enquanto a Fatah parece reconhecer Israel e querer fundar um Estado palestino coexistente com o país de três quartos de século, privilegia as negociações como meio de comunicação e é secularista, o Hamas é intransigente na sua recusa em reconhecer Israel, adere à resistência armada e é, mais uma vez, islamista. Contudo, tal como o Hamas, um dos fundamentos de constituição do Fatah foi precisamente a luta armada para a libertação da Palestina, o que implicava um confronto violento com Israel, conflito armado esse iniciado em 1965. Maior parte das suas operações eram planeadas na Jordânia e no Líbano. Só quando o Fatah foi expulso da Jordânia e do Líbano, durante as décadas de 1970 e 1980, que o movimento se aproximou da tomada de posição que tem hoje: negociar com Israel. Diferentemente de todas as fações que compõem a OLP, incluindo o Fatah, o Hamas considera o estabelecimento de Israel como “ilegal”. Parece que o Fatah e o Hamas poderão concordar numa coisa: o estabelecimento de um estado palestiniano segundo as fronteiras de 1967. 

Mesmo dentro da OLP, que inclui o Fatah e exclui o Hamas, a coordenação com a ocupação israelita em segurança e na prevenção e neutralização de ataques armados contra cidadãos israelitas, um dos compromissos previstos nos Acordos de Oslo, é vista como uma prova de colaboracionismo e de proximidade excessiva com Israel.

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Bibliografia

Jonathan Schanzer (2013), State of Failure: Yasser Arafat, Mahmoud Abbas, and The Unmaking of the Palestinian State, Palgrave MacMillan 

 

Hamas. ECFR. (2023, October 24). https://ecfr.eu/special/mapping_palestinian_politics/hamas/  

 

Palestine Liberation Organisation (PLO). ECFR. (2020, October 14). https://ecfr.eu/special/mapping_palestinian_politics/plo/ 

 

Political parties. ECFR. (2022, November 20). https://ecfr.eu/special/mapping_palestinian_politics/introduction_political_actors/

 

Tahhan, Z. A. (2017, October 12). Hamas vs Fatah: Same goal, different approaches. Al Jazeera. https://www.aljazeera.com/features/2017/10/12/hamas-and-fatah-how-are-the-two-groups-different  

Lourenço Ribeiro. Natural do Porto, 23 anos, Mestrado em Políticas Públicas no ISCTE.

Licenciado em Sociologia e “com Portugal e todos os seus convidados e admiradores no coração, onde quer que estejam.”

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