Diplomacia num mundo pós-Revolução digital

 As opiniões expostas neste artigo vinculam exclusivamente os seus autores.

Num mundo em transição para uma era digital, a Diplomacia e as Relações Internacionais não são exceção. Abordar as relações internacionais e as redes sociais implica ter em conta o impacto crescente que estas tiveram e têm na comunicação, assim como o soft power que detêm enquanto veículos de informação e meios de comunicação. 

Aquelas que podem ser consideradas as maiores ferramentas e vantagens das redes sociais, como a proximidade que permitem ao quebrar barreiras físicas e espaciais, assim como a capacidade de fazer chegar a nossa opinião a uma plateia mundial a qualquer hora do dia numa questão de segundos, são simultaneamente o que as torna tão imprevisíveis e poderosas.  

No âmbito da disciplina, deixamos de olhar para as plataformas digitais como meio de lazer e atribuímos-lhes um enorme soft power, ou seja, a habilidade política de influenciar o comportamento e o interesse dos demais atores internacionais (Nye Jr, 2005). Esta capacidade está presente nas social media, quer seja através de tweets ou de posts no instagram e facebook – os atores políticos conseguem entrar em contacto imediato com os seus seguidores e apoiantes, mobilizando-os, muitas vezes, num determinado sentido, como se verificou no passado dia 6 de janeiro em Washington.  

Porém, este soft power não diz exclusivamente respeito à influência que os atores políticos têm sobre as massas, mas pode também ser exercido entre Chefes de Estado como um meio de diplomacia direta, como se pôde ver em 2018 no agudizar de tensões entre os EUA e a Coreia do Norte resultante numa troca de tweets em tom de ameaça entre os representantes de Estado. Isto provocou uma das primeiras reflexões sobre as consequências reais e o impacto desta nova forma digital de “fazer diplomacia”. Este é um de muitos exemplos da má utilização das plataformas sociais na via diplomática. É verdade que representam um grande desafio e que, em mãos impulsivas, podem ter consequências sérias e irremediáveis. Ainda assim, existem vantagens na utilização das plataformas online para a política. 

Inicialmente, é incontestável a proximidade que as redes sociais permitem e conferem seja entre atores internacionais ou a nível doméstico, atribuindo à troca de ideias um tom mais informal (que também tem o seu revés), logo gera-se a sensação de se conhecer um lado mais pessoal dos representantes. Tal efeito é, com certeza, positivo numa geração que cada vez se diz mais distante da arena política, fazendo do palco das redes sociais um ponto de encontro onde o eleitor pode “responder” diretamente ao seu representante, sentindo-se, assim, ouvido e integrado.  

Em segundo lugar, por serem tão instantâneas e permitirem o escrutínio de milhões de pessoas, a utilização pessoal de Chefes de Estado ou organizações das redes sociais confere à diplomacia um suposto nível de transparência e abertura que agrada às massas, visto que encontram nestas figuras “pessoas comuns” com quem se identificam, criando uma empatia, seja pela partilha de ideias ou até mesmo pelo discurso e tom que utiliza nas redes sociais. Surge aqui um novo problema com as plataformas online: a idolatria de figuras políticas. A grande questão neste aspeto é a polarização de opiniões para a qual a internet contribui ativamente. Isto significa que, ao se formarem estas “celebridades políticas” (do que é exemplo a congressista Alexandria Ocasio-Cortez), o escrutínio e a avaliação ponderada das suas ideias e discurso desaparece e torna-se de extremos – ou se adora ou se odeia, o que impede uma apreciação justa das suas posições. A nível internacional, a principal consequência desta idolatria é a facilidade com que o político consegue mobilizar as massas e a opinião pública, conquistando apoio por esta via relativamente, por exemplo, a uma guerra. 

Além da questão da formação de ídolos políticos, à proximidade das redes sociais juntam-se outros problemas, visto que toda esta exposição tem um grande potencial para erro e perda de algum respeito público. Tomemos como exemplo a família real inglesa, onde nenhum membro pode ter redes sociais a título pessoal precisamente com o objetivo de evitar escândalos e acusações a nível pessoal que prejudiquem a imagem da Coroa e a intangibilidade que exibem e pela qual são conhecidos. Porém, também é verdade que a Rainha não vai a eleições, não precisando, por isso, de apoio popular nem da proximidade, aspetos onde as redes sociais são imprescindíveis. Além disso, para as relações diplomáticas que a Coroa britânica mantém, as contas oficiais parecem-me suficientes. 

Se as redes sociais, por um lado, permitem a rápida comunicação entre Estados em posições geográficas distantes, por outro lado, proporcionam um sistema em que a informação flui globalmente de modo incontrolável, e, com um stock de informação tão vasto, a sua verificação torna-se impossível, tornando cada vez mais fácil a propagação de mentiras e notícias falsas. A nível das Relações Internacionais isto poderá ter consequências preocupantes se imaginarmos um cenário onde informação adulterada chega às mãos dos Chefes de Estado ou responsáveis de ONGs que decidem agir ou responder com base em mentiras. Ao combinar este fenómeno com a prontidão de resposta que as redes sociais permitem (via twitter, por exemplo) pode facilmente formar-se um litígio internacional. Situações destas podem parecer distópicas, mas são uma realidade à espera de ser concretizada, especialmente quando dispomos de ferramentas como CGI (computer-generated imagery) e nos podemos fazer passar por quem quisermos – basta hackear a conta que se pretende e, numa questão de segundos, publicar o que bem entender. O relatório Escalation by Tweet: Managing the New Nuclear Diplomacy (Williams & Drew, 2020), destaca precisamente esta questão do furto de contas online que pertençam a figuras de topo como potencial fonte de insegurança. 

Relativamente às fake news, além de poderem ser afetados por elas, a elite política também pode ser responsável pela sua disseminação como o antigo Presidente Donald Trump (Evanega, Lynas, Adams, & Smolenyak, 2020). A má utilização, tanto para o nível interno como para o internacional, das redes sociais por Trump conduziu a uma situação inédita: a suspensão da conta pessoal do Presidente. Claro que isto implica uma reflexão a vários níveis, como a limitação do free speech, mas também revela que, se as big techs quiserem, conseguem controlar situações extremas. Neste caso foi uma rebelião a nível nacional, mas podia muito bem ser entre opositores internacionais e estar em causa um conflito geopolítico. Como Williams e Drew (2020) apontam, um tweet tem, sim, capacidade de desencadear uma guerra, daí a necessidade desta ação de suspensão de uma conta perigosa (no caso, a do próprio presidente) ter de ser regulamentada, bem como todo o ciberespaço que não reconhece fronteiras geográficas nem, cada vez menos, políticas. Sem a devida regulamentação, as plataformas online e as redes sociais podem continuar a ser responsáveis pela disseminação de informação falsa, com o apoio de bots que as próprias empresas permitem e que, à semelhança de 2016 nos EUA, continuarão a influenciar eleições e as relações diplomáticas entre os mais diversos Estados. 

Ainda que apresentem todos estes perigos e imprevisibilidade, as redes sociais não vão a lado nenhum; pelo contrário, sedimentar-se-ão cada vez mais não só nas nossas relações interpessoais, mas também nas Relações Internacionais, onde o seu soft power pode ser mobilizado num sentido mais cordial e de cooperação entre Estados e Organizações, permitindo à diplomacia “um alcance muito maior que antes […] agora as pessoas podem ver o que os diplomatas fazem, inclusive os erros que cometem” (Melissen, 2015 citado em Hille, 2015). Assim, mesmo que acompanhada de uma sombra, a diplomacia ao entrar na era digital tem mais a ganhar do que a perder, podendo-se expandir num nível sem precedentes, alcançando grandes acordos entre atores e agentes, ao mesmo tempo que fortalece as Relações Internacionais.   

Matilde Silva
Aluna de Licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais

NOVA-FCSH

Referências

Evanega, S., Lynas, M., Adams, J., & Smolenyak, K. (2020). Coronavirus misinformation: Quantifying sources and themes in the COVID-19 ‘infodemic’ (Preprint). Ithaca, New York: Cornell Alliance for Sciende, Department of Global Development, Cornell University. https://doi.org/10.2196/preprints.25143

Hille, P. (2015). No Twitter, diplomacia em 140 caracteres. Obtido 3 de Fevereiro de 2021, de CartaCapital website: https://www.cartacapital.com.br/mundo/diplomacia-em-140-caracteres-6286/

Lobo-Fernandes, L. (2005). Soft power: O jogo de atracção cultural e as vantagens da cooperação. RI: Relações Internacionais, 6, 169–172.

Lusa. (sem data). Covid-19: Trump foi o principal impulsionador de “ fake news ” sobre a pandemia, diz estudo. Obtido 3 de Fevereiro de 2021, de PÚBLICO website: https://www.publico.pt/2020/10/02/mundo/noticia/covid19-trump-principal-impulsionador-de-fake-news-pandemia-estudo-1933717

Nye Jr, J. S. (2005). Soft Power: The Means To Success In World Politics. New York: PublicAffairs.

Oliveira, R. (2014). O soft power das novas mídias nas Relações Internacionais. Cadernos Adenauer, (4), 45–67.

Pequenino, K. (2020). Pode um “tweet ”desencadear uma guerra? Estudo alerta sobre riscos do Twitter na diplomacia. Obtido 3 de Fevereiro de 2021, de PÚBLICO website: https://www.publico.pt/2020/07/22/tecnologia/noticia/tweet-desencadear-guerra-estudo-alerta-riscos-twitter-diplomacia-1925507

 

Williams, H., & Drew, A. (2020). Escalation by Tweet: Managing the new nuclear diplomacy. Obtido de https://kclpure.kcl.ac.uk/portal/en/publications/escalation-by-tweet-managing-the-new-nuclear-diplomacy(6f7c4188-4c39-41b5-9c17-bd0a0a168cf8)/export.html