A única obra de Tucídides, a História da Guerra do Peloponeso, é um clássico da historiografia, com seu trabalho sendo citado até os dias de hoje nas mais diferentes áreas de conhecimento, como as Relações Internacionais, Ciências militares e, evidentemente, na História.
Tucídides escreveu uma história científica, e não uma imaginação épica literária – o que era comum na época – deixando de lado explicações religiosas para tentar decifrar as ações dos chefes políticos, por exemplo (Fernandes, 2007: 11). Os acontecimentos que estão presentes na obra são objetivos e concisos, e com uma ordem cronológica impecável (Fernandes, 2007: 11). É rompido o relato descritivo circunstancial que Heródoto apresenta em sua obra Histórias, onde discorre sobre as Guerras Médicas.
Uma das maiores preocupações de Tucídides foi analisar as causas e origens da Guerra do Peloponeso (Lousada, 2009: 362). A narração da obra se inicia com uma retrospectiva da história helênica e, em seguida, faz uma análise sobre a constituição do Império Ateniense através de suas imposições aos participantes da Liga de Delos. Desta forma, para o autor, a principal causa da guerra foi o antagonismo entre Atenas e Esparta, descrevendo como o embate da Baleia – potência naval –, contra o Urso – a potência terrestre – (Magnoli, 2006: 16). Assim, ele refere:
“[…]para que ninguém jamais tenha de indagar como os helenos chegaram a envolver-se em uma guerra tão grande. A explicação mais verídica, apesar de menos frequentemente alegada, é, em minha opinião, que os atenienses estavam tornando-se muito poderosos, e isto inquietava os lacedemônios, compelindo-os a recorrerem à guerra.” (Tucídides, 1987: 15).
Para o autor, o poder hegemônico crescente de Atenas, assim como desejo de conquista, constitui o fator principal da Guerra do Peloponeso. Também, com suas análises, Tucídides acabou por esboçar os alicerces da sociedade internacional, um conceito determinante na teoria realista das Relações Internacionais, que diz que é necessário um equilíbrio de poderes para haver paz na sociedade (Lousada, 2009: 363).
Partindo para os conceitos existentes nas Relações Internacionais, Tucídides aceitou a sociedade em que vivia como conflitual, e, dessa forma, criou os alicerces necessários para a teoria realista das Relações Internacionais, em que consiste no equilíbrio internacional e na balança de poder. Com a releitura desta obra, foi possível construir o pensamento realista em uma perspectiva histórica.
É possível afirmar que Tucídides foi o pioneiro na escola realista de Relações Internacionais, ao considerar o poder, o equilíbrio e a guerra como interesse dos Estados. Aplicando isso na obra equivale a dizer que Atenas guerreou para concretizar a sua hegemonia cada vez maior devido a Liga de Delos, e Esparta para manter o equilíbrio de poderes entre as cidades-Estados. Ligando a obra ao pensamento realista, é possível enxergar o encaixe deste conflito na teoria, devido ao simples facto das cidades-Estados buscarem por mais poder, portanto, a partir da teoria realista, o conflito, neste caso, é inevitável (Morgenthau, 2003: 27).
Além disso, também é possível traçar um paralelo entre a teoria realista e os acontecimentos na Guerra do Peloponeso em relação à política externa das cidades-Estados gregas. O objetivo de ambas, Atenas e Esparta, era uma maior área de influência na região, o que, segundo a teoria realista, acontece devido os Estados serem atores racionais, ou seja, todas as ações têm um fim político e são políticas.
Ademais, outro fator importante dentro do paradigma realista que se encontra na Guerra, se assenta na segurança do território. Outros assuntos, como a economia, foram deixados de lado para se focar apenas na segurança.
A sua compreensão das dinâmicas interestatais pode ser considerada um divisor de águas para os séculos seguintes (Fernandes, 2007: 12). Tucídides foi capaz de romper com as explicações religiosas para compreender os motivos que levaram à eclosão da Guerra do Peloponeso, bem como a descoberta de padrões nos comportamentos das cidades helênicas da época (Fernandes, 2007: 12).
Para o autor, as relações entre Estados constituem um sistema, que acaba sendo caracterizado pela luta hegemônica, ou seja, a luta pelo poder (Fernandes, 2007: 13). Esse sistema tem uma característica que continua sendo usada na teoria realista atual, a anarquia, que faz com que os Estados dependam de si mesmos, através de seu poder ou de sua própria capacidade, para sobreviverem (Fernandes, 2007: 12) – ao contrário da teoria liberal nas Relações Internacionais, por exemplo, que tem por uma de suas principais características a cooperação internacional.
Tucídides reflete sobre as causas da Guerra e concluí que a quebra da balança de poder foi o principal estopim para a mesma. Não foi tanto em razão das alianças que Esparta tinha com as outras cidades-Estados gregas (Liga do Peloponeso), mas por considerar que a hegemonia ateniense estava crescendo demasiado, a ponto de a balança de poder se equilibrar a favor de Atenas, ou seja, o receio de ficar atrás de Atenas no plano internacional (Fernandes, 2007: 13).
Através dessas análises, e da relação entre a obra e a teoria realista, Tucídides é considerado por muitos o “avô” desta teoria, e o primeiro analista crítico de Relações Internacionais, onde manteve seu estudo imparcial e objetivo, mesmo após ser exilado por sua cidade-Estado, sempre com a busca de relatar os fatos como realmente aconteceram (Jaguaribe, 1987: XXV).
Desta forma, é possível concluir que Tucídides marcou a história das Relações Internacionais e seus os contributos são dos mais variados. Sua obra é considerada basilar para uma das teorias clássicas mais famosas e importantes, a teoria realista. Além disso, a análise da Guerra pode ser considerada intemporal devido aos inúmeros conflitos posteriores que se assemelharam no conceito de hegemonia – inclusive conflitos do século passado. Os autores posteriores, como Henry Kissinger, se basearam em Tucídides tanto para explicar as estratégias e táticas, como a maneira de narrar um conflito (Funari, 2006: 46).
Guilherme Carrazzoni
Estudante de Ciência Política e Relações Internacionais | Ramo de Relações Internacionais
FCSH-UBI
Leituras recomendadas
Fernandes, L. (2007). De Tucídides a Guicciardini: factores perenes do realismo em Relações Internacionais e a ascensão dos novos colossos asiáticos. Relações Internacionais, 16(1), pp. 7-19.
Funari, P. (2006). Guerra do Peloponeso. In: Magnoli, D. História das Guerras. São Paulo: Contexto.
Jaguaribe, H (1987). Tucídides e a História da Guerra do Peloponeso. Prefácio. In: Tucídides. História da Guerra do Peloponeso. Brasília: Universidade de Brasília.
Lousada, A. (2009). “História da Guerra do Peloponeso”, de Tucídides. Lusíada, 5(3), pp. 359-370.
Magnoli, D. (2006). História das Guerras. São Paulo: Contexto.
Morgenthau, H. (2003). A política entra as nações: a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Universidade de Brasília.
Tucídides. (1987). História da Guerra do Peloponeso. Brasília: Universidade de Brasília.
