Wimbledon: uma má jogada do governo britânico

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Em momentos de conflito armado ou tensão na cena internacional, os Estados medem as ameaças e tentam tomar uma posição firme relativamente às mesmas.  São muitos os académicos que estudam e desenvolvem teorias para explicar o comportamento dos Estados, sejam eles agressores ou não-agressores.

 

No caso do desporto, é possível recorrer à teoria de Joseph Nye, desenvolvida com base no conceito de poder, ou seja, na “capacidade de afetar os outros para obter o que se deseja” (Nye, 2008, p. 7) ou a “capacidade de fazer ou efetuar algo”[1] (Oxford English Dictionary).

A sua teoria explora três tipos de poder: hard power, soft power e smart power, sendo o soft power é “a nossa capacidade de obter o que queremos através da atração em vez da coerção” (Nye and Donahue, 2000, p. 126), e, neste contexto, passaria por um processo de image-building[1], na medida em que a Rússia atrairia atenção e influência através da participação de tenistas como Medvedev e Rublev, a representar o país, em Grand Slams.

 

Durante duas semanas, entre 27 de junho e 10 de julho, Londres acolheu, como é costume, o mais antigo torneio de ténis do mundo, Wimbledon, ainda que em moldes diferentes das edições anteriores.

O All England Lawn Tennis and Croquet Club, responsável pela organização do torneio centenário, alterou as regras em que o mesmo decorreu, sob orientações do governo britânico, impedindo a participação de atletas russos e bielorussos na competição.

 

Ainda que o objetivo desta decisão não tenha sido claro, tudo indica que o fim último da política levada a cabo pelo governo britânico fosse bloquear o soft power russo (a exclusão dos tenistas bielorussos parece dever-se à aliança que a Bielorrússia tem com a Rússia e não ao seu soft power).

No entanto, o governo britânico parece não se ter apercebido de que, se já é difícil para os governos gerir o soft power de um país, pois este tipo de poder “tem as suas limitações” e “muito do soft power é produzido pela sua sociedade civil” (Nye, 2008, p. 8) o que faz com que “os instrumentos do soft power não [estejam] totalmente sob o controlo dos governos” (Nye, 2011, p. 83), é praticamente impossível bloqueá-lo.

 

Veja-se que o sucesso deste tipo de poder depende da “capacidade de atrair e criar credibilidade e confiança” (Nye, 2011, p. 91) e seria precisamente isso que o governo quereria evitar, excluindo atletas como Daniil Medvedev, atual nº1 no ranking da ATP ou até Aryna Sabalenka, atual nº 6 no ranking da WTA, acreditando que a sua participação no torneio poderia aumentar a influência russa e bielorrussa a nível cultural e desportivo.

Além da complexidade que as politicas contra o soft power dos países envolvem, a existirem, neste caso, enquanto o All England Club seguiu orientações diretamente vindas de 10 Downing Street, a Association of Tennis Professionals (ATP) e a Women’s Tennis Association (WTA), também fundadas no país, responsáveis pela atribuição de pontos aos tenistas em cada torneio, de forma a poderem subir no ranking, decidiram transformar o Grand Slam num torneio amigável e não atribuíram os 2000 pontos aos atletas vencedores do torneio.

 

A resposta do ATP e do WTA só mostrou o quão má foi a jogada do governo britânico, pois só prejudicou jogadores de outras nacionalidades, sendo que Novak Djokovic, tenista sérvio, foi o mais prejudicado, pois apesar de ter vencido o torneio, baixou para a 7ª posição no ranking. 

Pelo contrário, o soft power russo parece ter aumentado, com o Presidente da Federação Russa, Shamil Tarpischev, a congratular Elena Rybakina, a campeã dos “singulares femininos”, afirmando que a Rússia tinha ganho um título, pelo facto de a atleta ser moscovita, embora represente desportivamente o Cazaquistão desde 2018 e, ainda, com lendas de outras nacionalidades, como John McEnroe, a considerar a campeã russa. Ambas as declarações mostram o quão bizarra foi a decisão britânica a respeito deste torneio, porque parece não ter surtido qualquer efeito. 

Em suma, o que se verificou foi que o governo britânico provou que é praticamente impossível bloquear qualquer tipo de soft power, mesmo que seja o de um país agressor, durante uma crise na cena internacional, tal como é difícil para os governos controlarem o soft power do país. Na verdade, a política do governo britânico em relação ao torneio foi alvo de duras críticas e além de ter manchado a imagem não só do país como também do torneio, ainda parece ter tido o efeito contrário ao pretendido. No fim, a vitória de Elena Rybakina e exclusão de atletas russos e bielorussos pareceram aumentar a influência russa, pelo menos no que diz respeito ao desporto.

[1] Oxford Advanced Learner’s Dictionary, 1989: 970

[1] Conceito desenvolvido e estudado por Nygard e Gatss em Soft Power at home and abroad: sport diplomacy, politics and peace.

Bárbara Monteiro,
Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais
NOVA-FCSH

Bibliografia

Nye, J. S., & Donahue, J. D. (Eds.). (2000). Governance in a globalizing world. Brookings Institution Press.

Nye Jr, J. S. (2008). Public diplomacy and soft power. The annals of the American academy of political and social science616(1), 94-109.

Nye, J. S. (2011). The future of power. Public Affairs.

https://www.news9live.com/sports/tennis/we-win-wimbledon-says-russia-tennis-chief-shamil-tarpischev-after-rybakina-triumph-181686

https://www.express.co.uk/sport/tennis/1637964/John-McEnroe-Wimbledon-Russia-Elena-Rybakina-Sue-Barker-tennis-news