Revolução dos Cravos: as perceções internacionais do 25 de abril

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O 25 de abril destaca-se como o dia da auto libertação do coletivo social português do regime autoritário e conservador do Estado Novo. A data continua a entoar na memória coletiva portuguesa, sobretudo, com enfoque nas transformações que ocorreram na dimensão nacional. No entanto, a Revolução dos Cravos derrubou os muros do autoisolamento fascista mais rápido do que estes se ergueram, tendo transposto as fronteiras nacionais captando, como nunca antes até então, os olhos da comunidade internacional (Matos, 2014).

Com a Guerra Fria a decorrer, e depois das revoltas falhadas de 68 tanto nas democracias ditas liberais do «ocidente», fundamentadas em estruturas ainda conservadoras, como nas repúblicas autoritárias socialistas dominadas por forças soviéticas (Matos, 2014), a revolução portuguesa de 74 gerou olhares tanto de desconfiança como de esperança, dependendo da respetiva ideologia de quem a via. Não obstante, a comunidade internacional não deixou de se revelar impressionada com o facto de ter sido derrubada a ditadura de meio século que insistia, teimosamente, em continuar uma guerra colonial em África há mais de uma década (Ferreira, 2004). Deste modo, o proclamado «ocidente», constituído na sua maioria por regimes democráticos liberais pluralistas, reconheceu de imediato a Junta de Salvação Nacional (J.S.N.), formada a 26 de abril, constituída por oficiais generais («25 de abril», 1974; Ferreira, 2004). A apreciação internacional advinha sobretudo da abordagem a que o Movimento das Forças Armadas (M.F.A.) se propunha em relação à questão ultramarina, prometendo uma política que levasse à paz («25 de abril», 1974; Ferreira, 2004). 

A efervescência do 25 de abril fez com que rapidamente os movimentos de libertação que combatiam a dominação portuguesa nos seus territórios saudassem cautelosamente a vitória do M.F.A.(«25 de abril», 1974). Os movimentos Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), M.P.L.A. (Movimento Popular para Libertação de Angola), F.N.L.A. (Frente Nacional de Libertação de Angola) e P.A.I.G.C. (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) evidenciaram uma esperança de solução do problema colonial, rejeitando de imediato a hipótese federalista preconizada pelo General Spínola no livro de sua autoria «Portugal e o Futuro» («25 de abril», 1974). Agostino Neto, presidente do M.P.L.A., afirmava claramente que «o problema colonial só encontrará solução com a independência total» (Neto apud «25 de abril», 1974: 156).

A questão colonial viria a ser o maior desafio político, em termos de política externa, tanto da J.S.N. como do primeiro Governo Provisório («25 de abril», 1974), porquanto, no interior da J.S.N., nem todos conjugavam paz necessariamente com independência das colónias – i.e. descolonização -, embora todos concordassem que era necessário um rápido cessar-fogo (Ferreira, 2004). Por outro lado, os partidos políticos emergentes preconizavam uma solução rápida de reconhecimento da independência e da autodeterminação dos povos africanos («25 de abril», 1974). 

A resistência dos movimentos de libertação em prol da independência, a pressão dos novos partidos políticos portugueses, a consciencialização do M.F.A. que o cessar-fogo acabaria por implicar um verdadeiro processo de descolonização – tendo em consideração que existia uma pressão internacional por parte dos países do «ocidente», da ONU e da NATO para a descolonização (Ferreira, 2004) -, bem como o escalar da violência em territórios africanos, acabou por levar a um condicionamento político que conduziria aos Acordos de Alvor, em 1975, e à efetividade da descolonização, após o reconhecimento da independência da Guiné ainda em 1974 («O acordo de Alvor», 1990). Ressalva-se, ainda, que a reação internacional à presença de militares no poder político apenas se mostrou favorável devido à forma como o processo político de descolonização ocorreu (Ferreira, 2004), seja do lado Ocidental da cortina de ferro, seja do Leste.

Antes do 25 de abril pouco ou nada se passava em Portugal, à parte da repressão e do reacionarismo moribundo, devido ao (auto)isolacionismo (Matos, 2014). Porém, após a revolução, as reações e perceções internacionais começaram a fazer parte do cálculo político, sendo o apoio internacional ao poder político nacional uma variável fundamental. 

Segundo José Medeiros Ferreira (2004), desde o general Vasco Gonçalves e o partido comunista, ao «Grupo dos Nove» com Melo Antunes, Vasco Lourenço e outros que se lhe opuseram, aos defensores do «poder popular» – onde se destacava Otelo Saraiva de Carvalho -, todos pretendiam apoio internacional. Os «gonçalvistas» pretendiam uma proximidade e entendimento com os países socialistas e a URSS; Otelo oscilava nos apoios que queria suscitar procurando sobretudo na América Latina, tendo visitado Cuba, mas procurando também no Peru do general Alvaredo; o «Grupo dos Nove» procurava apoio em África e pretendia boas relações com o «ocidente». 

Este último foi responsável pela aproximação entre Portugal e o bloco Europa Ocidental-Estados Unidos. O principal argumento que fundamenta esta aproximação traduz-se pela «concentração naval soviética no Mediterrâneo e a pujança do partido comunista nesta região eram sentidas como duas lâminas de uma tesoura a fragmentar a coesão política da NATO e a pôr em perigo as suas comunicações militares» (Eisfeld, 1985 apud Ferreira, 2004: 146).

As perceções soviéticas

 

No documento «25 de abril», redigido em 1974, pode-se ler as palavras de um comentador de televisão soviético sobre o futuro de Portugal, sendo que este dependia antes de mais «da unidade e da coordenação entre todos os democratas» («25 de abril», 1974: 166) e que 

«o significado especial dos acontecimentos ocorridos em Portugal está em que a sua influência ultrapassa as fronteiras deste país e mesmo as da Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, pois terão sem dúvida uma repercussão sobre o futuro dos regimes racistas da Rodésia e da África do Sul e sobre a situação política geral em África» («25 de abril», 1974: 166-167.

Simultaneamente, foi lido na íntegra a declaração do Partido Comunista Português (PCP) sobre o M.F.A..

 

As interpretações da perceção soviética são retiradas mais de conjeturas do que propriamente de casos empíricos. A interpretação alemã da reação soviética aos acontecimentos em Portugal alegava que a política soviética em relação ao PCP e a Portugal andou ao sabor das situações, sendo muitas vezes contraditória (Eisfeld, 1985 apud Ferreira, 2004). No entanto, o relato de Mitterrand da sua visita a Moscovo e da conversa com Michaïl Souslov – membro do Secretariado do Partido Comunista da União Soviética – revela que o apoio soviético ao comunismo em Portugal era maior do que o interpretado pelos alemães. Quando Mitterrand encontrou os dirigentes soviéticos, em 1975, falaram sobre Portugal e o primeiro descobriu que, para Souslov, a situação portuguesa era considerada essencial para a coexistência pacífica, defendendo a aliança de Álvaro Cunhal com os oficiais militares esquerdistas do M.F.A. apoiantes do «poder popular» (destacava-se a aliança Povo-M.F.A.) (Mitterrand, 1978; Ferreira, 2004).

«Tudo se passa como se os russos, tentados pela experiência portuguesa, sondassem a capacidade de resposta do ocidente. Um regime comunista (…) em Lisboa, e como reação o separatismo nos Açores, a divisão de Portugal afastando para o Ocidente a linha de demarcação entre os dois mundos…» (Mitterrand, 1978: 34).

«A seguir à Conferência de Helsínquia, símbolo da détente e do status quo na Europa, a URSS demarcava-se da sua moderação oficial, para dar a bênção a um golpe comunista em Portugal» (Gaspar, 1992: 59). A esta citação Ferreira (2004: 147) acrescenta que «há quem afirme que a URSS só se interessava pelos acontecimentos em lisboa na medida em que estes pudessem influenciar a descolonização num sentido favorável aos seus interesses».

As perceções dos Estados Unidos e Europa Ocidental

 

Os dois lados alemães demonstraram ativamente os seus apoios no período revolucionário, nomeadamente, a RDA apoiou o PCP e a reforma agrária, enquanto a RFA sustentou a implementação de uma democracia de tipo ocidental, apoiando, posteriormente, o Partido Socialista, em 1976 (Ferreira, 2004).

As tendências esquerdistas e «gonçalvistas» do Conselho da Revolução fizeram com que os dirigentes da Europa Ocidental e dos Estados Unidos se predispusessem a apoiar os militares moderados na implementação de um regime pluralista de tipo ocidental. Numa primeira instância, embora os Estados Unidos tenham reconhecido de imediato a J.S.N., não se mostraram muito proativos no apoio à transição democrática portuguesa, agindo muitas vezes com indiferença:

«Embora muitas vozes norte-americanas se tivessem erguido contra uma alegada intervenção soviética em Portugal, a do Dr. Kissinger foi, inicialmente, bastante cautelosa, mesmo branda, até agosto de 1975. Por exemplo, em julho, em Helsínquia, chegou ao ponto de quase justificar a União Soviética: Devemos concordar que o desanuviamento não pode ser utilizado para pedirmos à União Soviética que resolva todos os nossos problemas […]. Muitos problemas em Portugal têm raízes endógenas.» (Bell, 1977: 167 apud Ferreira, 2004: 152).

Foi apenas com a realização da possibilidade de uma Península Ibérica comunista que os Estados Unidos decidiram apoiar ativamente os militares moderados. 

Com o fim do PREC e a entrada em vigor da Constituição de 1976, a maioria dos países do bloco ocidental reconheceram, sem qualquer dúvida, Portugal como parte integrante do «ocidente». Assim, com a tomada de posse do I Governo Constitucional, Portugal é admitido como o 19º membro do Conselho da Europa. Não obstante, devido à alta influência dos partidos políticos, a Constituição de 1976 conseguiu, de facto, ser um marco da democracia pluralista em Portugal.

Carolina Correia
Mestranda em Ciência Política e Relações Internacionais

NOVA-FCSH

Leituras recomendadas

25 de abril. (1974). 2ª Edição. Casa Viva Editora, Limitada.

 

Bell, C., (1977). The Diplomacy of Détente – the Kissinger Era. Martin Robertson Ldt.

 

Eisfeld, R. (1985). «Influências externas sobre a revolução portuguesa: o papel da Europa Ocidental», in AA.VV., Conflitos e Mudanças em Portugal 1974-1984. Teorema.

 

Ferreira, J. M. (2004). «O 25 de Abril no Contexto Internacional», in Os Trinta Anos do 25 de Abril. RELAÇÕES INTERNACIONAIS 02 (junho). 143-158.

Gaspar, C. e Rato, V., (1992). Rumo à Memória. Crónicas da Crise Comunista. Quetzal Editores.

 

Matos, M. (2014). «Perceções e Representações Transnacionais da Revolução dos Cravos» in Colóquio Comemorativo dos 40 anos do 25 de abril. Diacrítica 28 (2). 11-15.

 

Mitterrand, F., (1978) L’Abeille et l’Architecte. Flammarion.

 

O acordo de Alvor. 1990. RTP Ensina. Obtido 23 de Abril de 2022, de https://ensina.rtp.pt/artigo/o-acordo-de-alvor/