Existem dentro do Realismo Estruturalista duas grandes abordagens que diferem entre si, principalmente, pela forma como interagem com a questão dos Dilemas de Segurança e a forma como os Estados podem assegurar a defesa da sua soberania e poder; são estas abordagens o Realismo Ofensivo e o Realismo Defensivo.
As incertezas geradas por um Sistema Internacional anárquico – por exemplo, a incerteza perene acerca das intenções de outro Estado ou a ambiguidade existente entre aquilo que constitui armamento defensivo e armamento ofensivo – geram Dilemas de Segurança. As incertezas geradas levam a que as ações do Estado A façam com que o Estado B se sinta ameaçado e que, por conseguinte, as ações do Estado B para mitigar essas ameaças façam com que o Estado A também se sinta ameaçado (Posen, 1993); esta dinâmica – “when two parties, neither wishing to harm the other, end up going to war” (Roe, 1999: 183) – tem sido verificada desde Tucídides (2008: 67) – “O crescimento do poderio de Atenas e o alarme que provocou em Esparta tornaram a guerra inevitável” – e permanece central na Teoria Realista e nas Relações Internacionais, de forma geral.
Desta dinâmica resultam, no entendimento do Realismo Estruturalista, o aumento da insegurança entre os Estados e atos desestabilizadores da Balança de Poder – como corridas ao armamento ou conflitos armados –, caso os Dilemas de Segurança não sejam neutralizados. No entanto, existe uma grande divergência entre a abordagem do Realismo Ofensivo e a do Realismo Defensivo quanto a esta questão. Como veremos, o Realismo Ofensivo propõe uma solução agressiva para os Dilemas de Segurança, defendendo que, se a Anarquia cria incerteza e incentivos para a expansão do poder (Taliaferro, 2001), a única forma de os mitigar é através de uma tal maximização de poder que nenhum outro Estado – ou coligação de Estados – possa constituir uma ameaça; o Realismo Defensivo, por outro lado, defende que a manutenção do status quo e a criação de alianças militares – para balançar o poder entre adversários – são a melhor forma de mitigar os Dilemas de Segurança.
a. Realismo
Ofensivo
O
principal proponente do Realismo Ofensivo é John Mearsheimer (2001), que
defende que o Sistema Internacional tem cinco pressupostos: os Estados são os principais actores num Sistema
Internacional Anárquico; todas as grandes potências têm capacidades militares
ofensivas; nenhum Estado pode ter a certeza das intenções de outros; grandes
potências dão uma grande importância à manutenção do seu posicionamento; os
Estados são actores racionais com capacidade estratégica para garantir a sua
sobrevivência (Mearsheimer, 2001). Desde logo, torna-se claro que Mearsheimer
põe uma grande importância na incerteza e na necessidade de os Estados se
precaverem perante essa incerteza; com base nestes pressupostos, é deduzido que
as Grandes Potências se temem mutuamente – “Great Powers fear each other”
(Mearsheimer, 2001: 32) – e vivem num clima de insegurança e competição, por
ser impossível prever as intenções de qualquer outro Estado. Os Estados têm,
portanto, que ser autossuficientes na produção da sua segurança (Elman, 2008).
Neste sentido, a única forma de os Estados garantirem a sua sobrevivência e
soberania é maximizando o seu poder relativo face aos outros Estados, até se
tornarem Hégemons no Sistema – definidos por Mearsheimer (2001: 40) como “a
state that is so powerful that it dominates all the other states in the system.
No other state has
the military wherewithal to put up a serious fight against it.”. Desta suposição, no entanto, não resultam automaticamente
corridas desenfreadas por parte dos Estados para expandirem o seu poder, visto
que – embora o objectivo de cada Estado seja sempre a maximização do seu poder
– apenas o fazem quando as condições necessárias estão reunidas e os benefícios
são maiores do que os custos (Mearsheimer, 1995).
Outro factor interessante no Realismo Ofensivo, tal como proposto por Mearsheimer, é a negação da existência de Hégemons Globais: “it is virtually impossible for any state to achieve global hegemony. The principal impediment to world domination is the difficulty of projecting power across the world’s oceans onto the territory of a rival great power” (Mearsheimer, 2001: 41). Assim, o objectivo de cada Estado é o de se tornar um Hégemon Regional, ou seja, garantir o controlo sobre a sua região do mundo, eliminando ameaças ou maximizando o seu poder de tal forma que nenhum outro Estado o consiga ameaçar (Mearsheimer, 2010). Um Hégemon Regional continua a ter influência à escala global, e um dos seus principais objectivos é o de garantir que nenhum outro Estado consiga conquistar este estatuto noutra região do mundo – algo que, segundo os Realistas Ofensivos, impeliu os Estados Unidos, o claro Hégemon do Hemisfério Ocidental, a combater a Alemanha Nazi e a URSS (Mearsheimer, 2010); e é este mesmo raciocínio que leva Mearsheimer a acreditar na inevitabilidade de uma guerra entre os EUA e a China.
Encontrando as causas da guerra entre Grandes Potências na arquitectura do Sistema Internacional, Mearsheimer defende que o Sistema Bipolar é, de todas as possíveis configurações, a mais estável – dada a dificuldade em construir um verdadeiro Sistema Unipolar –, e argumenta que o mais instável é um Sistema Multipolar Desequilibrado, que existe quando há grandes diferenças de poder entre as Grandes Potências (Elman, 2008).
b. Realismo Defensivo
A abordagem do Realismo Defensivo é mais subtil e muito menos belicosa. Embora os seus autores não neguem a existência dos Dilemas de Segurança – e das suas consequências nefastas –, defendem que existe um número de factores que influenciam, positiva e negativamente, a severidade dos Dilemas. Factores – “structural modifiers” (Taliaferro, 2001: 131) – como o balanço entre armamento defensivo e ofensivo, o acesso a matérias-primas, a pressão económica num Estado, a arquitectura de alianças regionais e a proximidade entre os Estados, que influenciam determinantemente as ações que os Estados tomam perante Dilemas de Segurança (Taliaferro, 2001). Os Estados, sendo actores racionais, medem os custos e benefícios das suas acções e se calcularem que um aumento relativo da sua capacidade militar pode levar um Estado vizinho a atacar – e, portanto, que os custos excedem os benefícios –, preferirão não aumentar o seu poder (Taliaferro, 2001). Em paralelo, o Estado que vir outro a aumentar as suas capacidades militares poderá escolher atacar se este último estiver internacionalmente isolado ou se a proximidade geográfica entre ambos permitir uma invasão célere – ou seja, quando os benefícios excedem os custos; por outro lado, poderá não atacar se o outro Estado fizer parte de uma Aliança capaz de o defender eficazmente ou estiver geograficamente distante – quando os custos excedem os benefícios (Taliaferro, 2001).
Para os Realistas Defensivos, a racionalidade dos Estados impele-os a defender a manutenção do status quo quando este se encontra equilibrado, pois o seu objectivo é o de garantir a sua sobrevivência e soberania, contrastando de forma clara com os Realistas Ofensivos, cujo foco na constante maximização do poder impele os Estados a romper com o status quo, a fim de se afirmarem como o único Hégemon do Sistema. Na visão do Realismo Defensivo, tal posição levaria apenas a mais insegurança e conflitos armados, preferindo os Estados apostar na maximização do seu armamento defensivo – como Armas Nucleares (Walt, 1998) – até a um nível apropriado, de forma a não causar insegurança noutro Estado (Elman, 2008), e na formação de alianças militares, a fim de garantir uma balança de poder estável vis-à-vis Estados – ou alianças entre Estados – que constituam uma ameaça, tal como aconteceu durante a Guerra Fria (Walt, 1998).
Catarina Reis
Aluna de Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais
NOVA-FCSH
&
Tomás Infante
Aluno de Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais
NOVA-FCSH
Bibliografia
Brown, C. e Ainley, K. (1997). Understanding International Relations. 3ª ed., 2005. New York: Palgrave Macmillan.
Elman, C. (2008). Realism. In P. D. Williams (Ed.), Security Studies: An Introduction (pp. 15-28). Abingdon: Routledge.
Mearsheimer, J. J. (1995). The False Promise of International Institutions. International Security, 19(3), 5-49.
Mearsheimer, J. J. (2001). The Tragedy of Great Power Politics. New York: W.W. Norton & Company.
Mearsheimer, J. (2010). The Gathering Storm: China’s Challenge to US Power in Asia. The Chinese Journal of International Politics, 3, 381–396.
Posen, B. R. (1993). The Security Dilemma and Ethnic Conflict. Survival, 35(1), 27-47.
Roe, P. (1999). The Intrastate Security Dilemma: Ethnic Conflict as a ‘Tragedy’?. Journal of Peace Research, 36(2), 183–202.
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Tucídides, Martelo, D. e Lobo-Fernandes, L., 2008. História da Guerra do Peloponeso. Lisboa: Edições Sílabo.
Walt, S. M. (1998). International Relations: One World, Many Theories. Foreign Policy, 110, 29-46.