As opiniões expostas neste artigo vinculam exclusivamente os seus autores.
As pessoas LGBTI+ são usadas como arma de arremesso há muitos anos. Mas isto torna-se (ainda mais) preocupante quando acontece sob a alçada, e constante cegueira, de uma instituição (alegadamente) democrática e inclusiva, a União Europeia. Ora na Polónia, com uma influência grande da igreja católica conservadora e reacionária na arena política (Eurydice, 2022), onde as pessoas LGBT são alvo de discriminação constante na sua vida, ora na Hungria onde o panorama não é muito diferente, diríamos até que é pior.
Apesar
de ter havido uma pequena abertura em 2009, o ciclo político que se seguiu ao
reconhecimento de ‘parcerias’ (ou uniões de facto) para casais do mesmo sexo,
vem desfazer grande parte dos direitos sociais que as pessoas LGBTI+ tinham no
país:
Hungary has recognized registered partnerships for
same-sex couples since 2009, as well as unregistered cohabitation, which was
placed on equal footing with the unregistered cohabitation of different-sex
couples in 1996. (Nuñez-Mietz, 2019, p. 550)
A
Hungria passou de um primeiro-ministro líder do Partido Socialista, para um
primeiro-ministro líder do Fidesz,, um partido nacional-conservador e populista
de direita. Viktor Orbán,
conseguiu fazer aprovar uma nova constituição, que contribuiu para os constantes
ataques a minorias, e.g., “the way they interfere with the rights of women,
lesbian, gay, bisexual, and transgender (LGBT) people, and the homeless” (Human
Rights Watch, 2013, para. 2).
Mais recentemente, no ano de
2020, “in November, the parliament passed a law that severely restricts
same-sex couples’ ability to adopt children, declaring legally that the parents
of a child must be a woman and a man” (Freedom House, 2021, para. 5).
Face a estes sucessivos ataques aos direitos LGBT no geral, é também possível
compreender que não existam políticas de combate a discriminações sucessivas. Por exemplo, no âmbito da educação:
There is currently no obligation for educational
institutions to put in place policies against bullying […] The school
curriculum lacks LGBTQI topics that could be fostering an inclusive school
environment and boosting the self-esteem of LGBTQI students […] There has also
been a rise in homophobic and transphobic materials in books that schools can
choose to use. (Hungarian LGBT Alliance et al., 2015, p.
7)
Noutros países, as pessoas LGBTI+ podem ser usadas como forma de propaganda e de legitimação externa – i.e., por parte dos restantes países – do Estado. Israel enquadra‑se nesta categoria, porque utiliza as pessoas LGBTI+ para mudar, por exemplo, a discussão da ocupação ilegítima e constante violação de direitos humanos por si perpetrada (Gross, 2018) para um discurso LGBTI+ inclusivo. Nesta ótica, Israel usa as políticas gay-friendly de forma a persuadir e atrair apoio dos outros Estados – outros Estados fazem-no, por exemplo, através da sua indústria musical ou cinematográfica.
The accusations stem from efforts over the past half-decade by the Israeli government to weave the country’s gay-friendly policies — including national hate-crime laws, employment protection for LGBT workers and openly gay military service — into its larger national-rebranding strategy, in the hopes of redirecting its global image away from politics, terrorism and the occupied territories. (Kaufman, 2011, para. 2)
É como se, para Israel, os direitos LGBTI+ se sobrepusessem à ocupação ilegal de territórios palestinianos, à detenção de todas as fontes de água potável da região (Najib, 2021), à constante violação do direito internacional, à detenção ilegítima de activistas que se oponham à política sionista, ao assassinato de jovens e crianças palestinianas (e aqui podíamos continuar o resto do tempo) … As políticas de rainbow-washing – utilização das cores ou imagética ligada ao movimento LGBTI+, de forma a sugerir uma certa progressividade social, mas sem um esforço mínimo na sua concretização para resultados palpáveis (Establishment, 2015) – não são recentes, mas há quem não as queira ver, “Israel’s putatively dishonest abuse of its sterling record on LGBT human rights to conceal or “whitewash” its struggles with the Palestinians” (Corinne, 2019, p. 171).
Israeli pinkwashing is a potent method through which the terms of Israeli occupation of Palestine are reiterated – Israel is civilised, Palestinians are barbaric, homophobic, uncivilised, suicide-bombing fanatics. It produces Israel as the only gay-friendly country in an otherwise hostile region (Puar, 2010, para. 5)
Israel ultrapassa, então, a mera legitimação do Estado com o uso deste rainbow‑washing, para uma legitimação da contínua ocupação dos territórios palestinianos, bem como da política genocida e de apartheid executadas sobre a população palestiniana, e.g. “Israel’s promotion of its progressive gay-rights record as a way to cover up ongoing human-rights abuses” (Kaufman, 2011, para. 1). Mas, também importante, esta narrativa perpetua um apagamento da solidariedade com a Palestina, dado que Israel normaliza a sua violência dizendo que os palestinianos são homofóbicos, retrógrados e conservadores, apelando ao ‘mundo civilizado, ocidental e LGBTI+ friendly’ o apoio incondicional ao seu Estado (e consequentes políticas).
Mas a propaganda israelita vai mais longe, atentemos ao seguinte cartaz.
Podemos ler “Where in the Middle East can gay officers serve their country?” com a resposta mais adiante “only in Israel”. Neste país-sem‑defeitos-super-LGBTI-friendly que Israel quer fazer crer que é, o militar gay deve ser menos culpado por assassinar crianças que o militar heterossexual? Ainda se lê “Support Democracy. Support Israel” … Mas de que democracia estamos a falar? Uma “democracia” que ao longo dos anos tem anexado territórios palestinianos? Uma “democracia” que prende todos aqueles que se opõem à política de contínua violência sobre crianças e jovens da Palestina? É esta a “democracia” e o tipo de políticas que se deve apoiar?
Para terminar, por um lado, temos os representantes da União Europeia que todos os anos no mês do orgulho LGBTI+ têm um discurso pró-inclusão e diversidade, mas que, ao mesmo tempo, assobiam e ignoram os retrocessos e agressões flagrantes a pessoas LGBTI+ que existem nos países que a compõem. Por outro lado, e apesar de Israel aparentar ser gay-friendly, esta inclusão não passa de uma política de rainbow-washing que é utilizada para esconder toda a violência exercida sobre as pessoas palestinianas. Este rainbow‑washing funciona, então, como uma forma de soft‑power israelita que serve para enaltecer um suposto Estado arco-íris, quando isso não passa de pura propaganda que serve para ocultar as constantes violações de direitos humanos.
Hugo Pires
Mestrando em Políticas Públicas
ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa
Bibliografia
Corinne, E. B. (2019). Pinkwashing. Indiana University Press, 24(2), 171–181. https://doi.org/10.2979/israelstudies.24.2.14
Establishment, A. (2015). Rainbow-washing. Urban Dictionary. https://www.urbandictionary.com/define.php?term=Rainbow-washing
Eurydice. (2022, January 18). Population: demographic situation, languages and religions. https://eacea.ec.europa.eu/national-policies/eurydice/content/population-demographic-situation-languages-and-religions-56_en
Freedom House. (2021). Hungary: Freedom in the World 2021 Country Report. https://freedomhouse.org/country/hungary/freedom-world/2021
Gross, A. (2018). Pinkwashing Debate / Gay Rights in Israel Are Being Appropriated for Propaganda Value. Haaretz. https://www.haaretz.com/opinion/.premium-gay-rights-in-israel-are-being-appropriated-for-propaganda-value-1.5370534
Human Rights Watch. (2013). Assessing the Impact of Hungary’s New Constitution and Laws. https://www.hrw.org/report/2013/05/16/wrong-direction-rights/assessing-impact-hungarys-new-constitution-and-laws
Hungarian LGBT Alliance, Transvanilla Transgender Association, Háttér Society, Budapest Pride, & Labrisz Lesbian Association. (2015). LGBTQI Rights in Hungary.
Kaufman, D. (2011). Is Israel Using Gay Rights to Excuse Its Policy on Palestine? Time. http://content.time.com/time/world/article/0,8599,2070415,00.html
Najib, M. (2021). Palestine runs dry: ‘Our water they steal and sell to us.’ Al Jazeera. https://www.aljazeera.com/news/2021/7/15/water-war-palestinians-demand-more-water-access-from-israel
Nuñez-Mietz, F. G. (2019). Resisting human rights through securitization: Russia and Hungary against LGBT rights. Journal of Human Rights, 18(5), 543–563. https://doi.org/10.1080/14754835.2019.1647100
Puar, J. (2010). Israel’s gay propaganda war. The Guardian. https://www.theguardian.com/commentisfree/2010/jul/01/israels-gay-propaganda-war