Perspetivas sobre Grandes Potências

Potência é um conceito central nas RI; no entanto, ao contrário de conceitos como Anarquia ou Equilíbrio de Poder, “Potência” é, muitas vezes, entendido como “autoevidente” – pensemos, por exemplo, que raramente existem artigos dedicados plenamente à discussão do conceito, mas sim à sua instrumentalização para, por exemplo, discutir a polaridade do Sistema Internacional. De facto, o conceito de Potência – posto apenas assim – é um vazio conceptual; resumindo, qualquer Estado é per se uma Potência porque – tautologicamente – tem uma certa quantidade de poder – proveniente da sua Soberania interna, resultante legitimidade internacional e capacidades materiais e imateriais – e liberdade para o seu exercício – devido à natureza Anárquica do Sistema Internacional, mas dentro dos constrangimentos estruturais resultantes das balanças de poder vigentes em cada momento. Mais importante, então, é entender diferentes tipologias de Grande Potência, e a forma como estas interagem com diferentes perspetivas sobre natureza do Poder e de distribuição de poder internacional.   

Concentremo-nos, primeiro, nas conceptualizações propostas por Kenneth Waltz (1979; 1993)  e Hedley Bull (1977); as suas divergências centram-se, principalmente, na sua forma de conceptualizar poder, opondo-se uma perspetiva materialista de poder  em Waltz (1979; 1993) e uma perspetiva ideacional/social em Bull (1977) – embora não exclua a dimensão material do poder dos Estados. A perspetiva de Waltz (1979; 1993) – ou do Realismo Estrutural em geral – foca-se nas condições materiais que os Estados possuem; são essas condições materiais que se traduzem em poder na cena internacional. Fatores materiais como território, recursos, população e, principalmente, capacidade militar definem os Estados que podem ser considerados Grandes Potências. No entanto, e embora reconheça os limites de conceptualizar Grande Potência com base apenas na capacidade militar de um Estado – “Nuclear weapons alone do not make states into great powers. Britain and France did not become great powers when they became nuclear ones” (Waltz, 1993, p. 52) – Waltz defende que é o poderio militar de um Estado que define se este é ou não uma Grande Potência – “no state lacking the military ability to compete with other great powers had ever been ranked among them” (ibid, p. 54) –, o que tem especial impacto, por exemplo, na inclusão do Japão ou da União Europeia – à altura, as ainda Comunidades Europeias – na lista de Grandes Potências.

Bull (1977) não discordaria de Waltz – “That great powers must be great military powers may seem a truism (…) a country is a great power when it can maintain itself against all others” (ibid, p. 195) – mas incluiria outra dimensão de poder: a ideacional e social. Diz-nos Bull que é condição essencial uma Grande Potência ser reconhecida enquanto tal, tanto por outros atores do Sistema Internacional como pelos próprios líderes nacionais; este reconhecimento acarreta consigo “certain special rights and duties (…) They accept the duty, and are thought by others to have the duty” (ibid. p. 196) , principalmente de gestão daquilo que Bull denomina a Sociedade Internacional – em oposição ao Sistema Internacional. A não aceitação deste “rights and duties” resulta no não-reconhecimento de Estados como Grandes Potências mesmo que estes tenham as condições materiais para se afirmarem como tal – “States which, like Napoleonic France or Nazi Germany, are military are not regarded by their own leaders or others as having these rights and resposabilities, are not properly speaking great powers” (ibid. p. 196). 

Outro conceito importante de mencionar é o de Superpotência; durante a Guerra Fria, os EUA e a URSS eram consideradas as duas Superpotências do Sistema Internacional. Estando fora do escopo deste pequeno artigo um debate acerca da Bipolaridade do Sistema Internacional durante a Guerra Fria – ou do momento Unipolar, se assim o considerarmos, dos EUA no pós-Guerra Fria –, foquemo-nos na forma como Superpotência é conceptualizada. Bull (1977) critica “Superpotência” pelo seu vazio conceptual: “The new concept of a ‘super power’, however, adds nothing to the old one of a ‘great power’. The role which the United States and the Soviet Union played in the quarter century after 1945 was one they inherited from the former European great powers” (ibid. p. 197). Na mesma linha, Buzan e Wæver (2003) escrevem que Superpotência, durante a Guerra Fria, foi “treated simply as a shift of language fashion” (ibid. p. 31), sem qualquer diferenciação substancial entre Grande Potência e Superpotência – “not much thought was given to whether the difference in terminology implied a difference in classification that might matter for polarity theory” (ibid. p. 31). No entanto, Buzan (2011) consegue conceptualizar Superpotência vis-a-vis Grande Potência, argumentado “By superpower I mean a polity whose political, military, cultural and economic reach extends across the whole international system; by great power I mean one whose reach extends only across more than one region” (ibid. p. 4). Buzan e Wæver (2003) apresentam ainda o conceito de Potência Regional – que Buzan (2011) argumenta se tornará crescentemente importante num Sistema Internacional fragmentado e, portanto, mais regionalizado –, enquanto definidores da polaridade dos Sistemas regionais e com capacidades que “loom large in their regions, but do not register much in the broad-spectrum way at the global level” (Buzan e Wæver, 2003, p. 37). Todas as Grandes Potências são consideradas Potências Regionais, mas nem todas as Potências Regionais – como é o caso do Brasil, Arábia Saudita ou Irão – constituem Grandes Potências, visto que a sua influência não viaja para lá das fronteiras da sua região.

Por fim, Mearsheimer (2001), no que toca ao conceito de Superpotência, não discordaria de Buzan, mas criticá-lo-ia pelo vazio do conceito, visto que, para Mearsheimer, Hegemonia Global é uma impossibilidade – “it is virtually impossible for any state to achieve global hegemony” (ibid. p. 41). Hegemonia Global significaria que “a state that is so powerful that it dominates all the other states in the system” (ibid. p. 40), necessitando de conseguir projetar o seu poder a nível global, algo que é impossível devido aos oceanos e distâncias entre regiões. Em vez disso, uma “Superpotência” deve entender-se como um Hégemon Regional, ou seja, a única Grande Potência de uma determinada região –  e que tendo influência sobre outras regiões, não as controla, como é o caso dos Estados Unidos. Assim sendo, o objetivo de um Hégemon Regional é o de impedir a ascensão de outras Grandes Potências ao seu estatuto – “The United States, for exampled, played a key role in preventing Imperial Japan, Wilhelmine Germany, Nazi Germany, and the Soviet Union from gaining regional supremacy” (ibid. p. 41). 

O autor define, igualmente, os designados Shatterbelts, que correspondem às regiões geopolíticas independentes de ambos os reinos geoestratégicos e que, geograficamente, atuam enquanto as suas áreas de contacto: o Médio Oriente, o subcontinente indiano e o Sudeste asiático. Estes espaços, para Cohen, são grandes focos de tensões políticas, neles existindo a maior possibilidade de um conflito internacional vir a ser deflagrado. Já os Gateways (um conceito introduzido pelo autor já na sequência do final da Guerra Fria), por seu turno, são áreas que põem em contacto pessoas, bens e ideias de territórios com diferentes características, atuando enquanto comunicadores e, consequentemente, podendo estabilizar a competição internacional. Os países da Europa Central e de Leste (pós-soviética) formam um dos Gateways, e os das Caraíbas o outro (Smolen, 2012). É possível um Shatterbelt tornar-se num Gateway, bem como o oposto, com um Gateway a transformar-se num Shatterbelt (para Cohen, este último cenário poderá vir a suceder na Europa de Leste, com a progressiva degeneração das relações Este-Oeste).

Tomás Infante
Doutorando em Relações Internacionais

NOVA-FCSH

Bibliografia

Buzan, B. & Wæver, O. (2003). Regions and Powers: The Structure of International Security. Cambridge: Cambridge University Press. 

 

Buzan, B. (2011). The Inaugural Kenneth N. Waltz Annual Lecture – A World Order Without Superpowers: Decentred Globalism. International Relations25(1), 3-25.

 

Bull, H. (1977). The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics (3ª ed.). Basingstoke: Palgrave.

 

Mearsheimer, J. J. (2001). The Tragedy of Great Power PoliticsNova Iorque: W. W. Norton & Company.

 

Waltz, K. (1979). Theory of International Politics. Reading: Addison-Wesley Publishing Company.

 

Waltz, K. (1993). The Emerging Structure of International Politics. International Security18(2), 44-79.