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A ditadura fascista foi derrubada. Quarenta e oito anos de ditadura passaram… Que lufada de ar fresco que foi esta Revolução dos Cravos que se deu no dia 25 de Abril do ano 1974. Muito havia a dizer sobre a ditadura e a dura vivência na clandestinidade por parte de pessoas que se opunham ao regime fascista, sobre todo o processo que culminou na revolução ou até sobre os meandros do pós-revolução, o MFA e o Conselho da Revolução, as divergências entre os militares dentro do próprio Movimento das Forças Armadas, e por aí em diante. No entanto, pretendo olhar mais para o plano internacional, com total enfoque nas ex-colónias portuguesas em África e Timor-Leste, no seu processo de independência.
O reconhecimento do novo regime português não foi difícil. No plano internacional, ao contrário do que tinha acontecido na 1ª República, Portugal foi rapidamente reconhecido por diferentes países: “o Brasil fizera-o a 27, a África do Sul a 28, a Espanha, os EUA e a República Federal da Alemanha declaram que mantinham inalteráveis as suas relações com Portugal.” (Ferreira, 2004).
Ainda assim, levanta-se uma questão que se poderia tornar no calcanhar de Aquiles português – que posição Portugal iria tomar no processo de descolonização? Em praticamente todos os sectores da esquerda portuguesa era reconhecida a necessidade da descolonização. No entanto, o processo de transição e de descolonização “esteve na origem do primeiro conflito entre o general Spínola e o MFA” (Pinto, 2015).
Spínola, que tinha uma posição mais federalista e referendária, acaba por ceder e a Lei n.º 7/74, de 27 de julho veio consagrar o princípio da autodeterminação dos povos e independência dos países colonizados, à altura chamados de territórios ultramarinos. Uma semana depois, o secretário-geral da ONU, Kurt Waldheim, viaja até Portugal e das suas conversações com o Governo português sai um comunicado onde Portugal confirma o consagrado pela Lei n.º 7/74, mas onde também especifica os direitos para cada uma das ex-colónias africanas. Um dos pontos importantes deste comunicado consiste no reconhecimento, por parte de Portugal, dos movimentos de libertação independentistas, como os verdadeiros e legítimos interlocutores do processo de transferência de poder. Isto pode parecer pouco, no entanto vincula Portugal a negociar com aqueles que estiveram submetidos a condições injustas durante uma guerra que matou milhares de pessoas e uma guerra que trouxe consequências negativas até aos dias de hoje.
Para se compreender o que significou o 25 de Abril de 1974 numa perspetiva internacional, gostava de dar atenção a dois momentos de extrema relevância. Em primeiro lugar, em 1961 eclodiu a Guerra Colonial, começada pelo regime fascista e ditatorial português como forma de manter a sua influência e poder nos países colonizados – face ao crescimento dos movimentos de libertação e independência. Os partidos e movimentos a favor da independência (como o MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola, o PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, a Frelimo – Frente de Libertação de Moçambique, ou até a Liga de Goa, entre outros) reuniram-se diversas vezes como forma de tentar reforçar e coordenar os seus esforços no estabelecimento de meios efetivos para lutar contra o colonialismo português.
Em segundo lugar, temos o aproveitamento das ex-colónias na criação e estabelecimento de prisões políticas. Por exemplo, em Cabo Verde, mais precisamente na Ilha de Santiago, funcionou um campo de prisioneiros do Tarrafal entre os anos de 1936 e 1974. Este campo era direcionado a opositores políticos ao regime ditatorial português, mas facilmente estendeu o seu campo de ação também a guerrilheiros que lutavam pela libertação dos países africanos (guerrilheiros estes de Angola, Moçambique, entre outros). Em 1936 foram enviados mais de uma centena de pessoas para o Tarrafal, começando assim a atrocidade do regime salazarista fora do território português, no que concerne aos campos para presos políticos. As condições deste campo eram abaixo do considerado aceitável, com condições de higiene precárias, onde escasseava comida e os trabalhos pesados que os presos eram obrigados a fazer. Em 1954, o Tarrafal foi encerrado, contudo em 1961, por ordem de Adriano Moreira, à altura ministro do Ultramar, com o eclodir da guerra colonial este foi reativado com o objetivo de receber não só oposicionistas do regime português, mas também militantes e guerrilheiros dos grupos independentistas das colónias. Este campo de trabalhos forçados era muitas vezes denominado como campo de morte lenta, tendo lá morrido mais de trinta pessoas. Existia neste campo de concentração um edifício chamado “Frigideira”, que consistia num edifício de tortura dos prisioneiros onde se metiam as pessoas nesse espaço pequeno. Aproveitavam o calor extremo que se fazia sentir na região para torturar dessa forma os prisioneiros – aproveitando as especificidades da região da pior forma possível.
O processo de descolonização teve contornos diferentes, consoante os países em questão. O processo de “independência da Guiné-Bissau foi o mais rápido de todos” (Pinto, 2015), em grande medida pela sua auto proclamação em 1973. Isto mostrava, ainda durante a ditadura, uma clara vitória do PAIGC neste território face às investidas portuguesas. Cabo Verde foi o primeiro país a receber a sua independência por parte da ‘metrópole’. No caso de São Tomé e Príncipe, o processo foi “mais uma consequência da transição democrática em Portugal e do surto global de descolonização, do que da luta organizada de um nacionalismo autóctone ou de pressão internacional” (Pinto, 2015).
Em Moçambique, os contornos do processo de descolonização são mais conturbados. A Revolução dos Cravos não foi bem recebida por uma parte dos altos comandos e até da elite militar moçambicana com maiores ligações a Portugal. Ainda assim, a Frelimo lidera o processo de independência e, através dos acordos de Lusaca, proclama-a mais cedo do que Portugal pretendia. Houve uma série de revoltas protagonizadas pela “comunidade branca, com o apoio de alguns partidos africanos opositores da Frelimo” (Pinto, 2015), que resultaram em algumas mortes.
Angola foi o país em que a transição de poder foi mais complexa por ser, das ex-colónias, a mais rica e, consequentemente, aquela que tinha mais colonos brancos, o que levou a um crescimento dos partidos de colonos brancos (Pinto, 2015). No entanto, apenas o MPLA, a FNLA e a UNITA foram reconhecidos para dialogar sobre o processo de descolonização com o governo português, excluindo das negociações todos os partidos de colonos brancos. As lutas entre os três movimentos começaram, no intuito de decidirem qual dos três iria governar o país após a independência. Dia 11 de Novembro de 1975, o dia que tinha sido marcado como dia da independência, as tropas portuguesas foram retiradas e a independência foi ‘oferecida’ ao povo angolano. Mas a luta entre o MPLA e FNLA e UNITA continuou tendo o MPLA proclamado a independência em Luanda e a FNLA em Ambriz.
O caso mais peculiar e extremado do processo de descolonização e transição do poder foi em Timor. Após o 25 de Abril, ao contrário do que tinha acontecido nos restantes países colonizados, em Timor nada se alterou. Apenas no final de julho é que a luta armada pela independência se começou a sentir, com golpes tanto por parte da FRETILIN (Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente) como da UDT (União Democrática de Timor). A Indonésia acaba por ocupar o território, Portugal abandona o país e não reconhece a independência de Timor-Leste. Esta independência só vem a ser oficializada em 2002.
O 25 de Abril de 1974 não abriu apenas as portas para um Portugal democrático. O 25 de Abril representa algo muito maior, desde o início daquilo a que se chama a 3ª vaga de democratização ao processo de descolonização e independência dos povos africanos, que até aí permaneciam acorrentados pelo regime fascista português. O 25 de Abril veio representar o fim da guerra colonial…. Veio representar não só uma esperança para os povos colonizados como representar também o fim do domínio colonial português nestes territórios. O 25 de Abril garante ainda o fim dos campos de concentração atrozes que, durante anos, torturaram e assassinaram opositores do regime fascista, fossem eles comunistas, socialistas, antifascistas portugueses ou guerrilheiros e resistentes angolanos, moçambicanos, guineenses, etc. O 25 de Abril representa democracia, libertação, descolonização, luta e a derrota do fascismo em Portugal.
Vimos os povos a lutar para acabarem com a sua exploração. Ninguém cerrará as portas que Abril conseguiu abrir. Viva o 25 de Abril! Viva a Liberdade!
Hugo Pires
Mestrando em Políticas Públicas
ISCTE
Referências
Ferreira, J. M. (2004). O 25 de Abril no contexto internacional. Os Trinta Anos Do 25 De Abril, 117–131.
Pinto, A. C. (2015). História Contemporânea de Portugal: 1808-2010. Volume 5 Em Busca da Democracia, 1960-2000. Objectiva.