O Estado é um conceito central para as Relações Internacionais visto que o Estado soberano se afirmou e universalizou como a única forma de organização legítima de autoridade política, por oposição a sociedades internacionais no passado organizadas à volta de impérios ou feudos (Reus-Smit, 2013). Isto mostra-nos que não há nada de inevitável no Estado, sendo resultado de um processo histórico longo e acidental, e apenas uma entre várias formas de organização política (Pierson, 2011).
A história mais célebre e convencional do aparecimento do Estado é contada por Charles Tilly (1992), que afirma que os Estados começaram a aparecer na Europa a partir do ano 990, tornando-se particularmente proeminentes após 1490. Este autor argumenta que o Estado surgiu na consequência da necessidade de fazer a guerra, pretexto sobre o qual os governantes afirmaram controlo indisputado sobre os seus territórios e começaram a extrair recursos da população sistematicamente para suportar o esforço de guerra (Tilly, 1992). O Estado conseguiu afirmar-se entre outras formas de organização que existiam na altura e prolongar-se no tempo devido sobretudo à sua capacidade militar, tornada possível pelo controlo interno e pela extração fiscal (McGovern, 2007).
Mas esta não foi a única forma de formação do Estado. Focando-se na Ásia do Leste, Huang e Kang (2022) mostram que, por volta do ano 800, já havia Estados formados na Coreia e no Japão que não foram fruto de guerra, mas sim de emulação e aprendizagem da China no contexto de uma ordem internacional hierárquica e pacífica liderada pela última. Vários outros autores criticam a teoria de Tilly e apresentam explicações alternativas (ver McGovern, 2007; Spruyt, 2002).
Em todo o caso, como reconhecemos um Estado quando vemos um? A definição mais célebre é a de Max Weber (2019, pp. 135–136), que define o Estado como uma organização política cujo pessoal administrativo possui o monopólio legítimo da violência na execução das suas ordens numa dada área geográfica. Os elementos-chave da definição são um território demarcado, a existência de pessoal administrativo (burocracia, governantes, aparelho de governação), e um monopólio da violência legítimo, isto é, a autoridade de ameaçar ou mesmo usar meios de coerção, que estão concentrados no(s) governante(s), é consentida por quem vive neste território.
Não muito depois de Weber publicar a sua definição, é criada uma definição pelos próprios Estados durante a Conferência de Montevideo em 1933, que elenca os critérios para uma comunidade política ser considerada um Estado: população permanente, território definido, um governo e a capacidade de entrar em relações com outros Estados (Montevideo Convention on the Rights and Duties of States, 1933). Esta é também uma definição bastante consensual e utilizada; ela acrescenta à de Weber o elemento da população e a questão de se relacionar com outros Estados. Voltaremos mais tarde ao elemento internacional na definição de Estado.
Partindo das definições mínimas para definições mais expansivas, Pierson (2011) estabelece nove elementos do ‘Estado moderno’:
· monopólio do controlo dos meios de coerção;
· territorialidade (um território definido sobre o qual exerce autoridade);
· soberania (ou autoridade exclusiva no seu território);
· constitucionalidade (conjunto de regras e/ou leis que orientam a conduta do Estado);
· uma burocracia pública (conjunto de funcionários públicos com responsabilidades demarcas, selecionados por mérito e cuja ação é governada por regras e procedimentos oficiais);
· autoridade e legitimidade (pessoas reconhecem e consentem a autoridade e as ordens do Estado na maior parte das vezes);
· cidadania (governados podem participar na vida política e são-lhes atribuídos direitos e deveres);
· taxação (extração de impostos contínua e sistemática).
Esta definição é mais expansiva porque se refere ao Estado a partir da Modernidade (final séc. XVIII), que adquiriu mais elementos desde a altura a que Weber e Tilly se inspiram para construir as suas definições.
Acreditamos que falta um décimo elemento a Pierson: reconhecimento internacional. Ser um Estado hoje não depende só da posse de um conjunto de propriedades objetivas, mas depende sobretudo do reconhecimento intersubjetivo por parte da comunidade de Estados (formalmente concedido por ser membro da ONU). É por esta razão que a Declaração de Montevideo fala da capacidade de ter relações com outros Estados: para se ser Estado tem que se ser reconhecido pelos seus pares e relacionar-se com eles de igual para igual (do ponto de vista formal). Isto explica a existência de comunidades políticas hoje como Taiwan e a Palestina que, apesar de reunirem muitos ou mesmo todos os critérios de Weber e Pierson, não são consideradas Estados.
Em última análise, o Estado continua a ser um conceito disputado, ainda que seja ‘óbvio’ reconhecer um quando se vê. A escolha de uma definição deve ser orientada pelo pesar dos seus méritos para o propósito da investigação que se quer conduzir.
Diogo Machado
MA Student of International Relations: Global Governance and Social Theory
University of Bremen & Jacobs University
BIBLIOGRAFIA
Huang, C.-H., & Kang, D. C. (2022). State Formation in Korea and Japan, 400–800 CE: Emulation and Learning, Not Bellicist Competition. International Organization, 76(1), 1–31. https://doi.org/10.1017/S0020818321000254
McGovern, J. (2007). The Emergence of the Modern State. In E. Cudworth, T. Hall, & J. McGovern (Eds.), The Modern State: Theories and Ideologies (pp. 20–36). Edinburgh: Edinburgh University Press. https://doi.org/10.1515/9780748629565-003
Montevideo Convention on the Rights and Duties of States (1933). Disponível em: https://www.jus.uio.no/english/services/library/treaties/01/1-02/rights-duties-states.xml
Pierson, C. (2011). The Modern State (3rd ed.). London: Routledge. https://doi.org/10.4324/9780203810484
Reus-Smit, C. (2013). The Liberal International Order Reconsidered. In R. Friedman, K. Oskanian, & R. P. Pardo (Eds.), After Liberalism? The Future of Liberalism in International Relations (pp. 167–186). London: Palgrave Macmillan UK. https://doi.org/10.1057/9781137303769_10
Spruyt, H. (2002). The Origins, Development, and Possible Decline of the Modern State. Annual Review of Political Science, 5(1), 127–149. https://doi.org/10.1146/annurev.polisci.5.101501.145837
Tilly, C. (1992). Coercion, Capital, and European States, A.D. 990-1990. Cambridge, MA: Wiley-Blackwell.
Weber, M. (2019). Economy and Society: A New Translation. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press.