O que é a Anarquia Internacional?

A anarquia internacional é um conceito que todas as teorias das Relações Internacionais acabam por mobilizar, de um ou de outro modo. Assim, e de forma a simplificar a compreensão deste pressuposto, destacamos os contributos teóricos de Kenneth Waltz, Hedley Bull e Alexander Wendt na definição do mesmo. Mesmo que o conceito seja consensual dentro das teorias mainstream, sobretudo as mais tradicionalistas, o debate que sobre este incide nunca deve cessar, embora o presente excurso apenas tenha o intuito de servir como uma revisão de literatura.

O realista clássico Raymond Aron (1966) afirma que a anarquia internacional «tem sido e é um elemento único característico das relações entre Estados» (Aron, 1966), sendo a causa que possibilita a existência do estado de guerra. 

Kenneth Waltz (2014) herda os contributos de Aron e, com inspiração na filosofia contratualista hobbesiana, afirma que «Entre Estados, o estado de natureza é um estado de guerra» (Waltz, 2014), significando que os Estados, na esfera internacional, se encontram no seu estado natural de todos contra todos. Isto ocorre devido à ausência de uma força coerciva supra soberana que instale uma ordem normativa que limite as ações estatais – i.e. anarquia internacional. Assim, na ausência de um detentor supra estatal do monopólio do uso legítimo da força, que limite a possibilidade de recurso à violência, a guerra pode sempre ocorrer (Waltz, 2014). Perante um panorama internacional desta natureza, os Estados interagem em busca da sua sobrevivência e segurança, regendo as suas ações numa lógica de self-help e de ganhos próprios.

Hedley Bull (1995) destaca que uma consequência da anarquia internacional é o facto de impossibilitar a formação de uma sociedade, porquanto não existe uma autoridade comum à qual se possa subjugar. A hipótese kantiana é a de constituir uma sociedade internacional de modo que os Estados se libertem do estado natural de guerra, subjugando-se perante uma autoridade comum, tal como ocorre no domínio político soberano do Estado (Rauscher, 2017).

A proposta de Bull (1995) não é a de transcender a anarquia, como defendem os kantianos com a teoria de paz perpétua, mas a de compreender como ocorre a cooperação entre atores internacionais rumo a uma sociedade internacional sem governo. Esta sociedade será produtora de normas e valores que se institucionalizarão, criando ordem e padronizando comportamentos na esfera internacional (Bull, 1995).

Para Alexander Wendt, teórico construtivista, «a anarquia é aquilo que os Estados fazem dela (Wendt, 1995). O seu argumento pretende romper com os pressupostos realistas e liberais de que a anarquia serve para justificar o desinteresse nas transformações institucionais de identidades e interesses, afirmando que: se «a anarquia é aquilo que os Estados fazem dela» (Wendt, 1995) e se a «lógica de self-help e de políticas de poder são socialmente construídas sobre o âmago da anarquia» (Wendt, 1995), então esta só pode ser entendida como socialmente construída.

Ademais, Wendt (1995) não acredita que a anarquia internacional seja condição suficiente para explicar as relações entre Estados, sendo que a estrutura internacional é construída por um processo de socialização que envolve a institucionalização de valores e de expetativas intersubjetivos entre os agentes. Esta premissa permite categorizar 3 tipos de estruturas anárquicas socialmente construídas: a hobbesiana, a lockeana e a kantiana (Calvante, 2011).

Carolina Correia
Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais

NOVA-FCSH

BIBLIOGRAFIA

Aron, R., 1966. Peace and War: A Theory of International Relations. Routledge.

BULL, H., 1995. Society and Anarchy in International Relations, in: International Theory: Critical Investigations. Palgrave, London, pp. 75–93.

Cavalcante, F., 2011. A Construção da Paz em cenários de Anarquia: uma inversão do foco de análise. R:I 32, 23–32.

Rauscher, F., 2017. Kant’s Social and Political Philosophy, in: Zalta, E.N. (Ed.), The Stanford Encyclopedia of Philosophy. Metaphysics Research Lab, Stanford University.

Waltz, K., 2014. Anarchic orders and balances of powers, in: Realism Reader. Routledge, NY, pp. 130–141.

Wendt, A., 1995. Anarchy is what states make of it: The social construction of Powers Politics, in: International Theory: Critical Investigations. Palgrave, London, pp. 129–180.