Investimentos da China em África: Implicações para as Relações Internacionais

 As opiniões expostas neste artigo vinculam exclusivamente os seus autores.

A estratégia da China para o continente africano tem vindo a ganhar relevo no estudo das Relações Internacionais. No entanto, a decisão de incrementar as relações económicas e diplomáticas sino-africanas não é recente. O lançamento do programa de Reforma e Abertura no 11º Congresso do Partido Comunista Chinês em dezembro de 1978 mudou fundamentalmente as prioridades internacionais e domésticas da China, incluindo a sua política para África (Hanauer & Morris, 2014). 

Neste período, já era reconhecido que as perspetivas de desenvolvimento dos Estados africanos dependiam em parte da oferta e do preço das suas matérias-primas, sobre as quais teriam pouco controlo, tanto por questões ambientais como pela estrutura do mercado mundial (Shaw, 1975). A estratégia da China para o continente africano veio a assentar principalmente em relações económicas baseadas na extração de commodities, neste caso matérias-primas em estado bruto ou quase-bruto. De facto, desde 2000 que a China tem tido um interesse crescente em África, sendo argumentado que tal interesse é baseado principalmente em razões económicas, nomeadamente a extração de recursos, o comércio e o investimento, além de razões diplomáticas (Mlambo et al., 2016).

Em outubro de 2000, o Ministério das Relações Exteriores chinês estabeleceu o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), um acontecimento que marcou o início de um período de relações bilaterais sem precedentes (Hanauer & Morris, 2014). Foi justamente a partir deste momento que as relações entre as duas regiões se começaram a desenvolver com mais intensidade.

O continente africano tornou-se um continente procurado por ser dotado de recursos naturais e por possuir mercados inexplorados (Mlambo et al., 2016), o que atraiu a atenção de investidores de várias regiões do mundo e, principalmente, da China. Ademais, a Nova Rota da Seda (em inglês, Belt and Road Initiative) tem um papel significativo no contexto do destino dos contratos e investimentos externos chineses, motivados pelo desejo de transferir o seu excedente de capacidade industrial, cultivar empresas multinacionais e estabelecer cadeias de valor globais (Alden & Jiang, 2019). Ainda neste sentido, os investimentos chineses em África, apesar de bastante complexos, têm sido dominados por grandes empresas estatais chinesas que tendem a operar nos setores da extração, por exemplo de petróleo e minérios, assim como na construção, agricultura e equipamentos de capital (Cheru & Obi, 2011).

A nível de soft power, a China tem vindo a aumentar a sua presença mediática no continente africano significativamente durante o curso da última década, sendo este recente aumento amplamente visto como estando ligado às suas atividades económicas mais gerais e ao contexto do FOCAC e dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) (Wasserman, 2018). Neste âmbito, a China tem inclusive apoiado os media africanos ao nível do desenvolvimento de infraestrutura, formação, produção de conteúdos, distribuição e investimento direto (Ibid.)

Por outro lado, os investimentos chineses em África não têm escapado a críticas e polémicas internacionais. Em primeiro lugar, a China tem sido acusada de aumentar a sua influência em África como forma de explorar os seus recursos naturais e capital natural sem existirem benefícios significativos para os Estados africanos, sendo ainda vista como uma contribuidora para a desindustrialização do continente africano (Mlambo et al., 2016). Por sua vez, alguns regimes africanos, apelidados pela comunidade internacional de autocráticos ou violadores dos direitos humanos, têm sido suportados economicamente pela China (Ibid.)

Enquanto pré-requisito para o desenvolvimento das relações diplomáticas com Pequim, a China tem também insistido que os países africanos reconheçam a política de “Uma China”, especialmente em relação a Taiwan (Hanauer & Morris, 2014; Mlambo et al., 2016). Ou seja, uma condição inicial seria que os países africanos não tivessem relações diplomáticas diretas com Taiwan nem reconhecessem a sua independência. Tais pareceres levam a que as intenções da China sejam questionadas no panorama internacional e dentro do próprio continente africano.

Podemos ainda abordar este tema na ótica da distribuição de poder dos Estados dentro do sistema internacional. Alguns autores afirmam estar a ocorrer uma mudança da retórica chinesa, que deixaria de ter um envolvimento enquadrado numa alternativa às potências ocidentais tradicionais, para adotar a postura de uma potência num processo de redefinição do seu lugar dentro do sistema internacional enquanto um líder global (Alden & Jiang, 2019). O crescimento económico da China e o incremento do seu soft power internacionalmente facilitariam essa transição. Além do mais, esta trajetória não tem passado despercebida para os restantes países asiáticos, principalmente a Índia. Os laços económicos entre a China e África são mais extensos que os da Índia com o continente africano, no entanto a Índia tem vindo a expandir a sua presença no continente e a aproximar-se pouco a pouco dos valores do seu vizinho asiático (Cheru & Obi, 2011). 

Por fim, pode dizer-se que esta relação, apesar de servir principalmente objetivos económicos e diplomáticos, se apresenta como útil para o desenvolvimento e crescimento dos países africanos. A China tem oferecido uma oportunidade de desenvolvimento vital para África através do fornecimento das infraestruturas necessárias, sendo as mesmas importantes fatores que contribuem não só para o crescimento como para um potencial desenvolvimento sustentável no continente (Mlambo et al., 2016). Inclusive, na declaração de Pequim denominada “Toward an Even Stronger China-Africa Community with a Shared Future”, a China reforça a importância da colaboração entre países como a única maneira viável de abordar o terrorismo, os conflitos, as desigualdades económicas e a pobreza, além das alterações climáticas, a degradação das terras e a insegurança alimentar (Secretariat of the Chinese Follow-up Committee of the Forum on China-Africa Cooperation, 2018). 

Se estes investimentos beneficiam mais a China ou África é uma questão em aberto. Os mesmos podem, todavia, ser enquadrados no âmbito de uma estratégia a longo prazo da China para a redefinição da sua posição no sistema internacional. Ademais, o continente africano continua a ter um potencial económico sub-explorado e muitos dos seus problemas sociais e políticos limitam este crescimento. Resta então saber se África será capaz de crescer economicamente nos próximos anos e desenvolver-se de modo sustentável, em parte com o apoio da China. Este crescimento e desenvolvimento seriam assim capazes de alicerçar a região africana no sistema internacional e conceder-lhe vantagens diplomáticas a longo prazo, que beneficiam tanto África como a China.

Ana Sofia Lopes
Licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais & Mestranda em Sociologia
NOVA-FCSH

Referências

Alden, C., & Jiang, L. (2019). Brave new world: Debt, industrialization and security in China-Africa relations. International Affairs, 95(3), 641–657. doi:10.1093/ia/iiz083

Cheru, F., & Obi, C. (2011). Chinese and Indian Engagement in Africa: Competitive or Mutually Reinforcing Strategies? Journal of International Affairs, 64(2), 91–110. https://www.jstor.org/stable/24385536

Hanauer, L., & Morris, L. J. (2014). Chinese Engagement in Africa: Drivers, Reactions, and Implications for U.S. Policy. RAND Corporation.

Mlambo, C., Kushamba, A., & Simawu, M. B. (2016). China-Africa Relations: What Lies Beneath? The Chinese Economy, 49(4), 257–276. doi:10.1080/10971475.2016.1179023

Secretariat of the Chinese Follow-up Committee of the Forum on China-Africa Cooperation. (2018). Beijing Declaration-Toward an Even Stronger China-Africa Community with a Shared Future. Forum on China-Africa Cooperation. Visitado a 14 de junho, 2021, http://www.focac.org/eng/zywx_1/zywj/t1594324.htm

Shaw, T. M. (1975). The Political Economy of African International Relations. A Journal of Opinion, 5(4), 29–38. doi:10.2307/1166522

Wasserman, H. (2018). China-Africa media relations: What we know so far. Global Media and China, 3(2), 108–112. doi:10.1177/2059436418784787