CyberPower – O Poder do Futuro

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O progresso acelerado inerente à evolução tecnológica e ao desenvolvimento de uma sociedade em rede traz consigo inúmeros problemas e novas formas de influenciar a Sociedade Internacional e as relações entre Estados e Organizações. A utilização do ciberespaço é, hoje, uma forma de moldar o sistema internacional através de diversos tipos de equipamentos técnicos capazes de produzir uma determinada realidade virtual (Constantino, 2018) dentro de uma dada região.

Para além dos três domínios físicos a que estávamos habituados (terra, mar e ar) somos agora confrontados com um quarto domínio: o ciberespaço. O ciberespaço tem um carácter muito abstrato, não sendo possível delimitar um espaço físico com fronteiras ou identificar com precisão os intervenientes de um potencial ataque. O ciberespaço é um espaço comum, partilhado por todos e sem uma entidade reguladora.

Atualmente, é possível identificar um crescente número de ações perpetuadas neste novo domínio. Nele, é possível exercer ações subversivas, de espionagem, de sabotagem, entre outras (Zilincik, Myklin e Kovanda, 2019).

Por exemplo, as ações subversivas podem ser definidas como ações intencionais e deliberadas levadas a cabo por um ator com o objetivo de alterar, destruir ou pelo menos abalar a ordem estabelecida (Dobusch e Schoeneborn, 2015). Durante esta semana, temos analisado na ORBIS a crescente importância das redes no Sistema Internacional e nas relações entre atores. Muitos autores têm vindo a apontar a propaganda nas redes como sendo o principal meio utilizado para infligir ações subversivas no ciberespaço.

Em relação ao desenvolvimento maciço e a utilização da Internet por parte dos cidadãos, dos sectores governamentais e não governamentais, das organizações políticas, das organizações internacionais, dos círculos empresariais, dos grupos de pressão, de criminosos e das organizações terroristas urge maior controlo e vigilância, podendo esta ação, no entanto, culminar na privação de algumas liberdades.

Mas então, porque é que se torna tão relevante aumentar o controlo das redes? Em grande parte, porque certos atores (estatais e não estatais) começam a conseguir desenvolver ferramentas poderosas que podem vir a ter fortes impactos na ordem mundial se não forem controladas. A este novo poder chamamos de CyberPower.

A caraterística inerente ao CyberPower mais relevante será, talvez, o facto de para utilizar este poder não ser necessária força física – não é uma ação palpável, mas pode ter repercussões físicas. O CyberPower, acaba, sim, por influenciar a ação de um adversário que possui vontade própria e onde reside a sua força reside também a sua fraqueza. 

Ora, a presença de um adversário capaz significa simultaneamente que o mesmo é capaz de prever e defender-se das ações que lhe são incutidas. Por exemplo, torna-se possível que o nosso inimigo esteja a preparar uma sofisticada forma de ação contra a nossa ação de sabotagem, porque a sua própria ação de espionagem sobre nós revelou esse acontecimento. O CyberPower, reflete a exploração dos pontos fracos do sistema do adversário; no entanto, uma vez resolvidos, o possível ataque perde o seu efeito. Em última instância, a magia, e talvez o grande problema do ciberespaço e consequentemente do poder nele desenvolvido, é que o mesmo está em constante mutação e evolução, o que torna a sua regulação muito mais complicada.

Atualmente, a utilização do ciberespaço para obter informações é extremamente fácil e rentável. O desencadear de operações secretas de sabotagem, insurreição, guerra de desinformação e subversão são cada vez mais recorrentes para roubar dados confidenciais (Tekes, 2011). Todavia, o mais preocupante é, talvez, que estes ataques nem sempre são desenrolados entre Estados – estamos cada vez mais a assistir à intervenção de atores não-estatais nesta arena.

O mercado informático acabou por sair das mãos dos governos e forças militares, transitando para o setor privado (Anderson, 2002). Neste sentido, a capacidade governamental de se manter a par com a evolução tecnológica tornou-se mais difícil, ficando os governos mais expostos às ameaças. Assim, e de forma a proteger os sistemas de informação, os decisores políticos deveriam acautelar-se e estar mais atentos a esta ameaça emergente.

A verdade é que as especificidades do ciberespaço podem muitas vezes favorecer um ator mais fraco, uma vez que o custo total do armamento cibernético pode ser relativamente menos dispendioso do que a construção de forças convencionais. Este é um dos principais fatores que começa a atrair cada vez mais atores, tanto estatais como não-estatais.

A infraestrutura global de informação pode ser um meio de implementação de hegemonia por parte de grupos de interesse ou atores individuais influentes. Os centros ideológicos do sistema internacional global podem influenciar a forma do sistema, gerindo fluxos de informação e transferências de dados em rede de acordo com a paisagem tecnológica numa determinada área geográfica. 

Neste sentido, talvez possamos argumentar que o ciberespaço é uma plataforma estratégica importantíssima e capaz, sendo responsável por uma parte significativa da interação social hoje existente no palco internacional.

De acordo com Gramsci, o conceito de hegemonia cultural baseia-se na capacidade de governar as elites para controlar os fluxos de informação que são distribuídos através de recursos de mass media e, assim, manipular as preferências das pessoas, a sua forma de pensar e estratégia de comportamento. Neste sentido, o CyberPower pode ser utilizado para a implementação do poder a nível global.

O desenvolvimento de ferramentas no ciberespaço constitui uma arma altamente estratégica para a segurança das nações e, acima de tudo, é um instrumento extremamente poderoso nas rivalidades de poder entre grupos, minorias e forças políticas, religiosas e económicas, tanto a nível local como a nível global (Douzet, 2014).

O facto de o ciberespaço ser um domínio sem fronteiras definidas faz com que esta centralização no conceito de território coloque um problema quando analisamos o ciberespaço: o ciberespaço é uma nova forma de território? Em caso afirmativo, quais são os seus limites, e quais são os limites da soberania sobre tal território?

É certo que o ciberespaço não é um território no sentido geográfico do termo ou “uma parte do espaço terrestre delimitado pelas suas fronteiras e sobre o qual um Estado exerce a sua autoridade e jurisdição” (Lacoste, 2003). No entanto, o ciberespaço acaba por ser, em última instância, um espaço em que os indivíduos interagem, como num território (Douzet, 2014). O Ciberespaço tornou-se, assim, num objeto de rivalidades de poder entre as partes interessadas num cenário de confronto e uma ferramenta altamente poderosa em conflitos geopolíticos.

Estávamos habituados a lidar com acontecimentos que se passavam no mar, em terra ou no ar, mas o ciberespaço começa a tomar cada vez mais um lugar central nas temáticas e problemáticas do mundo de hoje. O poder das redes é incrível e a forma como é possível influenciar acontecimentos que se estão a desenrolar do outro lado do mundo é uma conceção que ainda nos parece estranha e longínqua, mas a verdade é que já está a acontecer.

Assim como as comunicações, negócios e notícias passaram a estar presentes num mundo em rede também a utilização deste meio com um propósito estratégico fez essa transição. A conceção tradicional começa a mudar um pouco e o fenómeno começa a assumir novas formas. Através do ciberespaço e da construção de CyberPower conseguimos destruir redes, fazer propaganda ideológica, emitir ordens de combate, afetar infraestruturas críticas e muito mais. Começa a surgir uma nova geração de Estados e atores não-estatais que levam as suas causas para o ciberespaço e perceciona este novo domínio como uma forma de fazer vigorar os seus ideais e objetivos. Através do ciberespaço começa a ser possível influenciar, alterar e mudar a ordem instituída.

Micaela Rodrigues Rafael
Mestranda em Estratégia

ISCSP- Universidade de Lisboa

Referências

Dobusch, Leonhard e Schoeneborn, Dennis (2015). Fluidity, Identity, and Organizationality: The Communicative Constitution of Anonymous. Disponível em: http://www.dobusch.net/pub/uni/Dobusch-Schoeneborn(2015)FluidityIdentity and%20Organizationality_Anonymous-JMS.pdf ; Data de acesso: 22 de outubro 2020

 

Douzet, Frédérick (2014). Understanding Cyberspace with Geopolitics. Disponível em: https://www.cairn-int.info/revue-herodote-2014-1-page-3.htm?contenu=resume ; Data de acesso: 6 de janeiro 2021

 

Emory A. Anderson (2012). A Demonstration of the Subversion Threat: Facing a critical responsibility in the defense of Cyberespace. Disponível em: https://apps.dtic.mil/dtic/tr/fulltext/u2/a401762.pdf ; Data de Acesso: 21 de outubro 2020

 

Lara, António de Sousa (2015). Ciência Política: Estudo da Ordem e da Subversão. Lisboa: ISCSP.

 

Lobastova, Svetlana (2020). Geopolitics of Cyberspace and Virtual Power. Disponível em: https://jlahnet.com/wp-content/uploads/2020/04/13.pdf ; Data de acesso: 5 de janeiro 2021

 

R. Osman Tekes (2011). A Common Architecture for Cyber Offences and Assaults – (Organized Advanced Multi-Vector Persistent Attack): Cyber War Cyber Intelligence, Espionage, and Subversion Cyber Crime. Disponível em: http://www.turkishdefenceindustrynews.com/images/ustmenu/20180105170851_0.pdf ; Data de cesso: 19  de outubro 2020

 

Klein, G. Adam (2015). Vigilante Media: Unveiling Anonymous and the Hacktivist Persona in the Global Press. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/03637751.2015.1030682 ; Data de Acesso: 23 de outubro 2020

 

Zilincik, Samuel ; Myklin, Michael and Kovanda, Petr (2019). Cyber power and control: a perspective from strategic theory. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/23738871.2019.1635177 ; Data de acesso: 17 de outubro 2020