As opiniões expostas neste artigo vinculam exclusivamente os seus autores.
Muitos de nós vivemos com a ideia pré-concebida de que o
mundo do ciberespaço diz respeito a informáticos, especialistas técnicos e
engenheiros, mas a verdade é que este domínio tem sido alvo, na última década,
de uma forte politização e internacionalização dos seus assuntos.
Atualmente, a maioria dos grandes poderes da comunidade
internacional, está a colocar temáticas relacionadas ao mundo ciber no centro
das suas agendas, tanto interna como externa, adotando, em muitos casos,
estratégias para o ciberespaço, ou ainda criando gabinetes especializados
nestas temáticas. Começa inclusive a surgir a ideia de um diplomata do
ciberespaço (Barrinha & Renard, 2017, p.353).
Mas o que é cyber-diplomacy? O que é que ela representa
para a diplomacia pública tradicional, porque é que é necessária e o que
implica? Esse será o objetivo deste curto artigo.
Primeiramente, importa esclarecer o que é diplomacia.
Podemos afirmar e de forma simplificada, que a diplomacia pode ser compreendida
como uma tentativa de gerir conflitos de interesse entre duas ou mais partes
através de métodos de negociação com o objetivo de chegar a um compromisso (Wight,
1979, p. 89).
A presença da diplomacia no ciberespaço é recente. Como referido acima, nos primórdios da internet não existia qualquer tipo de regulamentação e a sua governação era maioritariamente informal, os grandes decisores não eram Estados e os seus líderes, mas sim engenheiros e líderes de empresas tecnológicas. Ao longo do tempo, os governos tornaram-se cada vez mais envolvidos no novo domínio e consequentemente, este tornou-se mais regulado e politizado (Deibert, 2015).
Tal aconteceu porque o ciberespaço se tornou um espaço
político, onde variados interesses, normas e valores divergem e coexistem. Como
resultado dessa politização, os diplomatas entraram neste espaço: ‘If
cyberspace was once a domain for technical discussions among IT specialists
only, that era is definitively over.’ (Barrinha & Renard, 2017, p.353).
Podemos então talvez afirmar que apesar das funções primordiais inerentes às funções diplomáticas não se terem alterado ao longo dos anos, talvez as suas práticas, áreas de ação e atores com os quais têm de interagir tenha sofrido alterações profundas.
Uma das grandes diferenças reside talvez nos atores com os quais as interações se conduzem. Tradicionalmente, relações diplomáticas são relações entre Estados, atualmente com o desenvolvimento do ciberespaço, muitas entidades oficiais de Estado vêem-se obrigadas a travar relações não só com outros Estados mas também entidades internacionais, atores não-estatais, sociedade civil, organizações, empresas, e até indivíduos influentes. No caso da cyber-diplomacy pode passar muito pelo estabelecimento de relações entre o Estado e os grandes detentores de empresas tecnológicas, como a Google, o Facebook ou o Twitter. A política saiu dos gabinetes de Estado para as telas dos nossos ecrãs, podendo a diplomacia na era digital envolver o empoderamento de vozes oprimidas através da tecnologia.
Como é que podemos então definir Cyber-Diplomacy? :
“(…) the use of diplomatic resources and the performance of diplomatic functions to secure national interests with regard to the cyberspace. Such interests are generally identified in national cyberspace or cybersecurity strategies, which often include references to the diplomatic agenda. Predominant issues on the cyber-diplomacy agenda include, cybersecurity, cybercrime, confidence-building, internet freedom and internet governance.”(Barrinha & Renard, 2017, p.353).
Sendo o ciberespaço um domínio onde Estados e os seus cidadãos interagem em todo o mundo, consequentemente torna-se um espaço onde interesses e objetivos ganham forma. A maioria dos Estados começa então a ver no ciberespaço uma janela de oportunidades para vigorar os seus interesses, valores, normas e assim atingir os seus objetivos estatais. A influência de opinião através das redes sociais, por exemplo, tem um papel muito mais relevante do que aquele que muitos de nós possamos considerar.
“Because of high levels of cross-border connectivity in the cyber world, new approaches for cybersecurity must factor in the international dimension. Thus, instead of exclusively focusing on cyber defence or cyber war, it is also important to begin to develop cyber diplomacy.” (Gady & Austin, 2010)
Sendo um espaço partilhado, sem um sistema de liderança definido, e com uma regulamentação limitada, o ciberespaço acaba por se tornar um domínio comum, no qual para assegurar o acesso a todos e evitar o conflito, a negociação através da diplomacia torna-se primordial e necessária. A adicionar a este fator, salientar que dentro deste domínio, existe ainda um grande desafio que se relaciona com a temática da atribuição. A identificação dos responsáveis de um ciberataque, de uma ação de ciberespionagem ou outras formas de intrusão em redes alheias, é por vezes extremamente complicada e imprecisa, o que pode conduzir à desconfiança entre atores e uma divisão entre grandes poderes do ciberespaço e pequenos poderes, criando vulnerabilidades globais (Nye, 2017).
Estas características fazem com que tanto as relações internacionais no ciberespaço como a governance no ciberespaço se tornem extremamente complexas e frágeis. Tal, justifica perentoriamente a necessidade da diplomacia neste domínio, especialmente no que concerne ações de construção de confiança entre atores e a criação de normas e valores partilhados na comunidade international: “Cooperation in cyberspace is thus a choice, not a given.” (Barrinha & Renard, 2017, p.353).
No artigo Cyber-diplomacy: the making of an international society in the digital age, Barrinha e Renard entrevistaram diplomatas que concordam que a cyber-diplomacy surgiu da internacionalização e politização dos assuntos ciber. Assuntos esses que foram tratados primeiramente como problemas puramente técnicos e que com o tempo e desenvolvimento do domínio se tornaram e se tornam assuntos que desempenham um papel central na política externa dos Estados.
Muitos são então os Estados que começam a desenvolver as suas estratégias de cibersegurança, tendo o ciberespaço tomado um papel central no desenvolvimento das estratégias dos Estados.
Barrinha e Renard defendem que o ponto de partida para a cyber-diplomacy foi a publicação da Estratégia Internacional para o Ciberespaço dos EUA em 2011, tendo sido o primeiro documento oficial a focar-se inteiramente nos aspetos internacionais do ciberespaço. A estratégia, identificava uma série de prioridades, dependendo de três pilares para atingir esses objetivos: diplomacia, defesa e desenvolvimento. Pela primeira vez, uma estratégia deixou clara a necessidade da diplomacia e dos seus recursos para atingir objetivos relacionados com o ciberespaço.
Torna-se ainda interessante e relevante referir que, aquando da análise das estratégias de cibersegurança de grande parte dos Estados, muito poucos são aqueles que adotam posições solitárias na cena internacional, apostando a maioria na cooperação entre atores internacionais. São exemplo além da dos EUA, a Japonesa, adotada em 2012, a da EU, adotada em 2015, a Australiana em 2016, etc.
Verifica-se ainda em muitos casos, a criação de unidades especiais dentro dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, para lidar com assuntos relacionados com o ciberespaço, como é o caso da Alemanha, do Reino Unido, dos EUA ou da Bélgica. (Barrinha & Renard, 2017, p.353).
Estando o ciberespaço a tornar-se numa das áreas mais relevantes da nossa sociedade cada vez mais digital, a diplomacia é chamada para cumprir a sua função, manter a paz e construir redes de confiança entre os atores internacionais, neste novo ambiente, o espaço digital: “Cyber-diplomacy is to cyberspace what diplomacy is to IR: a fundamental pillar of international society.” (Barrinha & Renard, 2017, p.353).
Micaela Rodrigues Rafael
Mestranda em Estratégia
ISCSP-UL
Bibliografia
Barrinha, Andre & Renard, Thomas (2017). Cyber-Diplomacy: the making of an international society in the digital age. Global Affairs Vol.3, NOS. 4-5, 353-364.
Deibert, R. (2015). The Geopolitics of cyberspace after Snowden. Current History, 114 (768),9-15.
Nye, J. S. Jr (2017). Deterrence and dissuasion in cyberspace. International Security, 41(3),44-71.
Pahlavi, C. Pierre (2003). Cyber-Diplomacy: A New Strategy of Influence. London: McGill-Queen’s University.
Potter, H. Evan (2002). Cyber-Diplomacy, Managing Foreign Policy in the Twenty-First Century. London: McGill-Queen’s University Press.
Riordan, Shaun (2019). Cyberdiplomacy, Managing Security and Governance Online. Cambridge: Policy Press.
Wight, M. (1979). Systems of states. Leicester: Leicester University Press.