Alterações climáticas: respostas insuficientes para um problema global

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A crise climática constitui, de acordo com o Fórum Económico Mundial, a maior ameaça global dos nossos tempos. Nos últimos anos, o tema das alterações climáticas tem ganho crescente relevância no debate público, nos media, no ativismo e na política institucional.  Ainda que seja de extrema importância olhar para as políticas de combate às alterações climáticas de cada estado, é também imperativo que olhemos para o plano internacional, sendo este o maior desafio global do século XXI. Ainda que os impactos da crise climática não sejam sentidos em todo o globo de igual forma, afetam ou afetarão, mais tarde ou mais cedo, os quatro cantos do mundo – o que faz com que respostas internacionais e de cooperação entre os povos sejam mais importantes que nunca. 

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) – órgão político e científico da ONU, fundado em 1988 – as alterações climáticas podem ser definidas como mudanças na média e/ou na variabilidade das propriedades do clima, que se verifiquem durante um longo período de tempo – normalmente várias décadas. A Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (CQNUAC) enfatiza as causas antropogénicas das alterações climáticas, distinguindo-as como as principais contribuintes para a “alteração da composição atmosférica e da variabilidade climática” (IPCC). 

A globalização veio aumentar exponencialmente a interdependência entre os países, empresas e indivíduos através dos movimentos de bens, serviços, pessoas e capitais pelo mundo, o que foi possibilitado pelos avanços tecnológicos ao nível dos transportes e meios de comunicação. Contudo, é importante que a globalização, tal como hoje a conhecemos, seja entendida como intrinsecamente baseada no capitalismo global. Como defendeu Lenine, o capitalismo – atendendo à sua característica intrínseca de procura incessante de lucro – precisa de se expandir para conquistar novos mercados. A lógica de acumulação levou a que os mercados internos se tornassem demasiado pequenos e se alargassem internacionalmente o que em si está diretamente relacionado com a necessidade constante de aquisição de matérias-primas e força de trabalho (Balaam e Veseth, 2001).

A economia capitalista global caracteriza-se, então, pelos movimentos transnacionais suprarreferidos, e pela globalização da produção, com a descentralização dos processos produtivos e criação de cadeias de valor globais.

Também acordo com dados do IPCC, a temperatura média global da Terra aumenta todas as décadas – entre 1880 e 2021, as temperaturas globais terrestre e oceânica, juntas, apresentaram uma tendência de crescimento de 0,85°C (IPCC, 2015).

As alterações climáticas estão eminentemente ligadas às emissões de gases com efeito estufa (GEE), que têm aumentado significativamente nas últimas décadas (IPCC, 2014). Estudos apontam, ainda, para que, entre 1970 e 2010, tenha havido um crescimento de 78% das emissões de CO2 devido à queima de combustíveis fosseis e industrialização. São vários os indicadores que demonstram a correlação entre o modo de produção capitalista e a crise climática. Um exemplo paradigmático é o facto de cerca de 71% das emissões industriais de GEE globais serem geradas por apenas 100 empresas (Griffin, 2017). O aumento desmedido de emissões de GEE e produção de resíduos está intrinsecamente relacionado com o sistema económico, pelo que quaisquer tentativas de combate e mitigação das alterações climáticas impõem, discutivelmente, uma resposta direta à fonte do problema.

Na conceção marxista da relação entre o capital e a natureza, na sua forma ‘primária’, a natureza atende às necessidades humanas essenciais, mas não possui nenhum valor – na conceção marxiana do termo – porque não contém nenhum trabalho humano (Marx, 1982). A natureza só se apresenta como mercadoria quando é transformada em algo produzido ou utilizado para produzir: uma mesa de madeira não o seria se não tivesse incorporado em si trabalho (Chiacchio e Rivero, 2018). A relação do capital com a natureza apresenta-se como uma relação de dominação, subjacente a uma lógica de acumulação infinita e que, portanto, se baseia na extração de recursos que não respeita os limites naturais do planeta. Num sistema que se baseia na necessidade de produzir mais e na conquista de novos mercados para a obtenção de lucro, as fontes de criação de valor são exploradas de forma predatória e, logicamente, insustentável. Isto porque a acumulação infinita só pode ocorrer através da sobre-exploração dos recursos naturais e ecossistemas, o que está também relacionado com a produção de grandes quantidades de resíduos que não conseguem ser absorvidos pela natureza (Foster, 2019).

Assim, as alterações climáticas não podem ser compreendidas como desconectadas do modo de produção capitalista e dos impactos deste no meio ambiente, pois não constituem duas esferas distintas. De acordo com David Harvey, um futuro mais sustentável e verde na luta contra a crise climática, implica necessariamente que o capitalismo seja questionado e contestado (Harvey, 2015). 

De acordo com a economia política marxista, para o capitalismo, a natureza, os ecossistemas e todos os animais – humanos e não humanos – são apenas fontes de mais-valia e lucro. 

Importa ainda sublinhar que a esta sobre-exploração dos recursos naturais do planeta está eminentemente subjacente a uma relação de dominação de alguns países sobre outros. Os países periféricos do capitalismo no sul global são particularmente alvo de influência direta e indireta na gestão dos seus recursos. São precisamente os países periféricos, muitos deles ex-colónias, que mantêm o desenvolvimento industrial e o enriquecimento das classes dominantes do norte global (Freitas, Nélsis e Nunes, 2012). É possível, contudo, de forma sucinta, afirmar que esta relação de dependência é particularmente destrutiva para os países periféricos, que apesar de ricos em recursos naturais, são mais pobres (Chiacchio e Rivero, 2018). Além disso, são também os países que já sofrem de forma mais direta as consequências das mudanças climáticas, embora essas nações não sejam responsáveis pela maior parte das emissões de GEE ou da produção de resíduos (Freitas, Nélsis & Nunes, 2012). 

É, portanto, crucial superar a ideia de que os seres humanos dominam a natureza – como se existissem em esferas separadas – e de que as catástrofes naturais ocorrem como forma da natureza se “equilibrar a si mesma” (Harvey, 2015). Esta lógica de culpabilização dos seres humanos e dos seus modos de vida como um todo pelas alterações climáticas, inerente ao neoliberalismo, tem servido de base para justificar políticas ecocapitalistas ou de capitalismo verde. Ao invés de endereçar as causas estruturais da crise climática, o discurso do capitalismo verde sugere que o combate será feito se toda a gente utilizar palhinhas reutilizáveis e reduzir o consumo de carne, por exemplo, individualizando o problema e culpabilizando, principalmente, populações pobres que vivem nas mais precárias das condições.

Conforme discutido inicialmente, o consenso da comunidade científica aponta para o facto de as alterações climáticas terem, na sua origem, a atividade humana – causas antropogénicas. No entanto, importa realçar o crescente debate sobre o termo, visto ter sido vindo a ser sugerido o uso do termo ‘capitaloceno’ (Tese Onze, 2019). Importa destacar a análise do economista político Jerome Roos, defensor do uso do termo, que destaca que, ao contrário do discurso ambientalista liberal, o que vivemos não é uma crise de superpopulação, mas sim um nível tal de penetração da lógica capitalista da acumulação infinita que põe em causa a sobrevivência da humanidade (Roos, 2017). 

Em 2015, após a conferência COP 21, os 195 países da ONU concordaram com a importância da redução das emissões de GEE na CQNUAC. Vários acordos internacionais e regionais que visam o combate às alterações climáticas têm sido desenvolvidos nos últimos anos e outros tantos estão em desenvolvimento – sendo talvez o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris os mais conhecidos. 

Ainda que estes acordos se enquadrem num cenário internacional cada vez mais atento e preocupado com a crise climática – algo que não existia até há não muitos anos – estes apenas constituem pequenos esforços para reduzir as emissões de GEE, não havendo políticas efetivas de mudança nos padrões de produção em larga escala, consumo de recursos e produção de resíduos. Os órgãos que protagonizam o combate às alterações climáticas – como as Nações Unidas e a União Europeia, entidades do status quo liberal – não reconhecem o modo de produção capitalista como a fonte principal das emissões de GEE, produção de resíduos e poluição, não responsabilizando os verdadeiros culpados – as grandes corporações, a indústria petrolífera, os bilionários (Guerrero, 2018). Até agora, as negociações e acordos como o de Paris procuram apenas um pequeno compromisso entre os estados, sem que sequer existam consequências para os que não cumprirem. 

O combate à crise climática exige, em última análise, que sejam pensadas soluções que resolvam de facto o problema, pois a sobrevivência do planeta não está ao alcance de políticas de greenwashing e tampouco de pequenos compromissos com a classe dominante. É urgente mudar o sistema, não o clima. 

Marisa Ferreira
Mestranda em Economia Política

ISCTE

Referências

Balaam, D. and Veseth, M., 2001. Introduction To International Political Economy. 2nd ed. Upper Saddle River, N.J. : Prentice Hall.

 

Chiacchi, J. and Rivero, S., 2018. Crise ecológica: as contradições entre sustentabilidade e acumulação do capital. Cadernos CEPEC, 7(2)

 

Foster, J., Clark, B. and Longo, S., 2019. Metabolic Rifts and the Ecological Crisis. In: M. Vidal, T. Smith, T. Rotta and P. Prew, ed., The Oxford Handbook of Karl Marx, 1st ed. New York: Oxf Freitas, R., Nélsis, C. and Nunes, L., 2012. A crítica marxista ao desenvolvimento (in)sustentável. Revista Katálysis, 15(1)

 

Friedan, J. ed., 2007. Global Capitalism Triumphant. In: Global Capitalism: Its Fall and Rise in the Twentieth Century, 1st ed. W. W. Norton & Company.ord University Press.

 

Griffin, P., 2017. CDP Carbon Majors Report 2017. London: Carbon Disclosure Project.

 

Guerrero, D., 2021. The Limits of Capitalist Solutions to the Climate Crisis. In: V. Satgar, ed., The Climate Crisis: South African and Global Democratic Eco-Socialist Alternatives, 1st ed. Johannesburg: Wits University Press,

 

Harvey, D., 2015. Seventeen Contradictions And The End Of Capitalism. 1st ed. London: Profile Books.

 

Intergovernmental Panel on Climate Change, 2015. Climate Change 2014: Synthesis Report. Geneva: Intergovernmental Panel on Climate Change.

 

Ipcc.ch. 2021.Glossary — Global Warming Of 1.5 oC. [online] Available at: <https://www.ipcc.ch/sr15/chapter/glossary/>

 

Marx, K., 1982. Capital: A Critique Of Political Economy – Volume I. 2nd ed. London: Penguin Books.

 

Roos, J., 2017. Living Through The Catastrophe. [online] Roarmag.org. Available at: <https://roarmag.org/magazine/living-through-the-catastrophe/>

 

Tese Onze. (2019, September 18). Mudança climática e o capitalismo | 052 [Video]. Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=UmefT_nOpQ4&ab_channel=TeseOnze