A Hallyu

 As opiniões expostas neste artigo vinculam exclusivamente os seus autores.

Recentemente, tem-se assistido a um aumento progressivo da presença de cultura popular sul-coreana entre audiências internacionais (Oh, 2016). De facto, pela primeira vez na sua história, a Coreia do Sul tem observado uma projeção global das suas séries televisivas, banda desenhada, videojogos, filmes e música pop (K-Pop), de como é exemplo o hit Gangnam Style do cantor Psy (Kim, 2016). Neste sentido, este artigo tem por objetivo enquadrar tal fenómeno na política externa sul-coreana e discutir a sua importância.

A disseminação de produtos de cultura popular sul-coreana, como grupos de K-Pop (e.g. BTS, Blackpink), séries (eg. Squid Game) e filmes (e.g. Parasite), entre audiências internacionais, denomina-se de Hallyu. A Hallyu espoletou na China, nos anos 90, e progrediu pelo Leste Asiático devido a semelhanças culturais entre os países da região; no entanto, nos últimos anos, tem-se expandido igualmente pelo Médio Oriente, o Norte de África, o continente americano e a Europa. Pondo em perspetiva, entre 2014 e 2015, o número de fãs cresceu em 63%, atingindo os 35,5 milhões (Oh, 2016; Kim, 2016; Suntikul, 2019).

À partida, a Hallyu parece tratar-se de uma iniciativa privada de empresas de entretenimento que buscam lucro económico; no entanto, esta trata-se, na realidade, de um projeto colaborativo entre as mesmas e o Estado sul-coreano. Desde os anos 90 que os governos nacionais implementam políticas destinadas a apoiar a expansão internacional das empresas de entretenimento e a promover a cultura popular sul-coreana: por exemplo, no mandato do Presidente Kim Dae-Jung (1998-2003) foi estabelecido um orçamento de US$148.5 milhões para a promoção da cultura e, no mandato da Presidente Park Geun-hye (2013-2017), 1% do orçamento de Estado foi alocado para as indústrias culturais (Oh, 2016)

Esforços a nível diplomático também têm sido realizados. Ao longo dos anos, os governos sul-coreanos têm procurado estabelecer acordos com países estrangeiros, como, por exemplo, de comércio livre (Oh, 2016). Do mesmo modo, embaixadas, consulados e institutos de cultura e língua têm sido mobilizados para formar parcerias público-privadas de promoção da cultura popular, para além do facto de as viagens diplomáticas dos Presidentes sul-coreanos serem frequentemente aproveitadas para promover a Hallyu, do que é exemplo a presença do grupo BTS como enviados especiais do Presidente Moon Jae-In (2017-) na 76ª Assembleia Geral da ONU (Kim, 2016; Kim S., 2021).

Este contínuo esforço por parte do Estado sul-coreano advém do ambiente geopolítico em que o país se encontra inserido. Uma vez que se trata de um poder médio, inserido numa região caracterizada por uma dinâmica de equilíbrio e transição de poder – Nordeste Asiático -, a Coreia do Sul encontra dificuldades em competir a níveis económico e militar com os seus vizinhos regionais, como o Japão, a China e a Coreia do Norte (Chun, 2014). Assim, a solução para este dilema encontra-se no uso de ferramentas de soft power (e.g. cultura) como alternativa para o exercício de influência noutros países (Ayhan, 2016; Sohn, 2012). De facto, de acordo com Joseph Nye, o aumento de soft power de um país, ou seja, o aumento da sua capacidade de moldar as atitudes e preferências de outros, pode compensar os limites do seu poder económico e militar (Kim, 2016).

Deste modo, o contributo do Estado sul-coreano para a disseminação da Hallyu justifica-se pelo potencial desta de aumentar o soft power do país, pois tal contribuiu para a construção de uma imagem positiva da Coreia do Sul, capaz de alterar as preferências dos seus competidores e de os persuadir a criar mecanismos de cooperação que transformem a atual arquitetura do Nordeste Asiático (Chun, 2014). Por outro lado, a Hallyu é vista, também, como uma forma de a Coreia do Sul aumentar o seu reconhecimento, posição e reputação internacionais. Neste sentido, a Hallyu consiste, atualmente, numa ferramenta oficial da Diplomacia Pública sul-coreana, porquanto é utilizada para influenciar atitudes e opiniões de outras pessoas e governos, exercendo, assim, influência nas suas decisões de política externa (Ayhan, 2016; Kim, 2016).

No entanto, para além das medidas oficiais do Estado, é relevante referir o contributo das celebridades sul-coreanas, dos fãs da Hallyu e das redes sociais para a expansão do soft power do país, através da chamada diplomacia people to people. Este tipo de diplomacia sucede através da partilha de experiências comuns entre indivíduos de diversos países, o que resulta em sentimentos positivos face a um determinado país ou cultura. Neste caso, esta é principalmente proporcionada pelas redes sociais, que funcionam como veículo para a distribuição de conteúdo relacionado com a Hallyu e como plataforma de comunicação e networking de uma “comunidade virtual”, nomeadamente os fãs e as celebridades. Assim, existe um estímulo contínuo ao envolvimento dos consumidores, que gera um elevado interesse na sociedade sul-coreana, na sua cultura tradicional, na sua língua, nos seus produtos de moda e cosmética, e na sua gastronomia (Suntikul, 2019). É deste modo que a Coreia do Sul tem conseguido expandir a sua imagem como um país atrativo, encontrando-se, por isso, em 11º lugar no Global Soft Power Index, atualmente (Global Soft Power Index, 2021). 

Neste sentido, compreende-se que a Coreia do Sul tem sido bem-sucedida no seu objetivo de criar uma imagem positiva de si mesma e de ganhar reconhecimento internacional, algo que se denota pelo seu extraordinário crescimento económico. Outrora um país devastado por guerra e pobreza, viu-se como a 10ª maior economia mundial em 2020, lugar para o qual a Hallyu contribuiu e continua a contribuir. Nomeadamente, estima-se que, em 2004, esta tenha sido responsável por 0.2% do PIB (Produto Interno Bruto) sul-coreano, equivalente a, aproximadamente, US$1.87 mil milhões, sendo que, em 2019, o seu impacto foi já equivalente a US$12.3 mil milhões. O impacto deste fenómeno impulsiona particularmente o setor do turismo, devido ao efeito cumulativo dos produtos de cultura popular como difusores de uma perceção positiva do país. Um inquérito de 2019 feito pela Korean Trade Organization revelou que 55.3% de todo o turismo (17.5 milhões de turistas em 2019) na Coreia do Sul se encontra relacionado com a Hallyu, materializando-se num total de gastos turísticos de US$1.1 mil milhões (Martin Roll Company, 2021).

Contudo, no que toca ao objetivo de fomentar a cooperação no Nordeste Asiático, é importante referir que a capacidade de a cultura popular sul-coreana conseguir alterar as preferências de outros países, para que a Coreia do Sul alcance os seus objetivos, é incerta; por exemplo, apesar da sua considerável influência na media japonesa e numa parte da população do Japão, as políticas japonesas direcionadas à Coreia do Sul permanecem problemáticas em algumas áreas. Esta ambiguidade da eficácia da cultura como ferramenta de soft power resulta de um problema de emulação, no sentido em que está dependente da disposição dos recetores de serem socializados por ela (Sohn, 2012)

Assim, a emergência de movimentos anti-Hallyu na China e no Japão, no início dos anos 2000, não é surpreendente, pois estes, ao serem países zelosos da sua cultura, não se encontram abertos à possibilidade de serem socializados por uma cultura estrangeira, especialmente uma cuja influência acreditam ser uma ameaça à autenticidade das suas culturas e economias (Oh, 2016). O mesmo acontece no caso da Coreia do Norte, que também bloqueia ativamente a entrada de cultura popular sul-coreana no seu território, pelo receio da influência que esta possa ter nas massas, visto que poderá mobilizá-las a ambicionar alterações no atual regime (Ji, 2018). Neste sentido, compreende-se que a Hallyu não tem conseguido cumprir a sua missão de transformação da atual arquitetura do Nordeste Asiático, embora não se possam descurar as Cimeiras de 2018 com a Coreia do Norte, enquanto progresso para a resolução da crise nuclear. 

Desta feita, infere-se uma dificuldade em determinar como é que ferramentas de soft power alteram as preferências de outros países em contextos concretos. De facto, de acordo com Joseph Nye, o soft power tem um efeito difuso, na medida em que cria uma influência geral, ao invés de produzir ações específicas e facilmente observáveis. Como tal, embora este seja pouco relevante no que concerne à prevenção de conflitos ou à conclusão de acordos de comércio, é relevante para o ambiente no qual um país procura atingir objetivos específicos, porquanto os seus efeitos, ao moldarem preferências gerais, podem fazer uma diferença significativa no alcance de resultados desejados. Porém, estes efeitos têm uma concretização apenas a longo prazo (Sohn, 2012).

Posto isto, compreende-se que, para ser bem-sucedida na concretização de objetivos específicos, a Diplomacia Pública sul-coreana – neste caso específico a Hallyu – deve ser praticada com vista a objetivos de longo prazo (Sohn, 2012). Para mais, conclui-se que o seu efeito será apenas maximizado se coexistir com outras ferramentas como o poder militar e económico, no que toca ao atingir de objetivos específicos (Ji, 2018).

Beatriz Santos
Mestranda em Gestão 
NOVA SBE
&
Madalena Matoso
Mestranda em Estratégia 
ISCSP – UL

Bibliografia

Ayhan, K. (2016). Introduction. Em Korea’s Public Diplomacy (pp. 13-22). Seoul: Hangang Network.

Chun, C. (2014). East Asian Security and South Korea’s Middle Power Diplomacy. Seoul National University, pp. 5-6; 10-15.

Gloral Soft Power Index. (2021). Brand Finance.

Ji, K. (2018). South Korea’s soft power strategies to deal with North Korea’s threat. Center for Global Affairs and Strategic Studies. Disponível em: https://www.unav.edu/web/global-affairs/detalle/-/blogs/south-korea-s-soft-power-strategies-to-deal-with-north-korea-s-threat

Kim, S. (2016). Korea’s Cultural Juggernaut is a Soft-Power Strategy Worth Copying. The National Interest. Disponível em: https://nationalinterest.org/feature/koreas-cultural-juggernaut-soft-power-strategy-worth-copying-17246

Kim, S. (2021). BTS to join Moon at UN General Assembly as presidential special envoy. Korea JoongAng Daily.

Martin Roll Company. (2021). Korean Wave (Hallyu) – Rise of Korea’s Cultural Economy & Pop Culture. [online] Martin Roll. Disponível em: https://martinroll.com/resources/articles/asia/korean-wave-hallyu-the-rise-of-koreas-cultural-economy-pop-culture/

Oh, S. (2016). Hallyu (Korean Wave) as Korea’s Cultural Public Diplomacy in China and Japan. Em K. Ayhan, Korea’s Public Diplomacy (pp. 167-195). Seoul: Hangang Network.

Sohn, Y. (2012). Middle Powers’ Like South Korea Can’t Do Without Soft Power And Network Power. Global Asian. Disponível em: https://www.globalasia.org/v7no3/cover/middle-powers-like-south-korea-cant-do-without-soft-power-and-network-power_yul-sohn

Suntikul, W. (2019). BTS and the Global Spread of Korean Soft Power. The Diplomat. Disponível em: https://thediplomat.com/2019/03/bts-and-the-global-spread-of-korean-soft-power/