As Instituições Internacionais e o seu papel no sistema internacional
Várias teorias podem ser utilizadas para explicar o papel das instituições internacionais no cenário internacional, desde a consolidação das Relações Internacionais enquanto disciplina. Algumas correntes teóricas, como o liberalismo, funcionalismo e neofuncionalismo, atribuem um papel importante às instituições internacionais como simplificadores do processo de cooperação, em função de seu impacto sobre os interesses dos atores no sistema internacional (Aires, 2007: 7). Por outro lado, outras abordagens, tendo como expoente máximo o realismo, conferem pouca relevância à capacidade de mudança promovida pelas instituições internacionais, bem como à possibilidade de cooperação e de solução de conflitos entre atores (Aires, 2007: 7).
A posição adotada pelo construtivismo trata as instituições internacionais como atores importantes no sistema internacional, na medida em que expressam interpretações coletivas acerca da realidade e atuam como instâncias formadoras de identidades coletivas (Messari, 2003: 26). Contudo, para se entender melhor o papel das instituições no cenário internacional, é preciso compreender o funcionamento do próprio sistema internacional e as formas através das quais os atores interagem nesse sistema.
De acordo com a perspetiva construtivista, as estruturas
fundamentais do sistema internacional são sociais, e não apenas materiais.
Desta forma, o sistema internacional “é um conjunto de
ideias, um corpo de pensamento, um sistema de normas, que foi organizado por
certas pessoas em um determinado momento e lugar” (Adler, 1997: 329). Assim, o
construtivismo vê o sistema internacional como ‘socialmente construído’ e não
dado.
Porém, essa estrutura do sistema internacional permite a mudança das relações de poder e dos padrões de comportamento, já que ela se organiza a partir das interações dos diversos atores entre si e com a realidade material, sendo essas interações sujeitas a contínuas alterações (Wendt, 1995: 73).
A formação desses padrões se dá a partir da construção de significados, ou seja, da atribuição de valor e sentido ao mundo material, atribuição está orientada pelas ideias, crenças e interpretações de cada ator (Aires, 2007: 8). Este conjunto de atribuições representa os conceitos e as categorias utilizadas pelos atores que, na medida em que são compartilhados, afetam os acontecimentos e o comportamento do sistema internacional. Desta forma, as relações sociais estabelecidas entre os atores, a partir de suas práticas contínuas, são fundamentais para a formação do sistema internacional, e não apenas a distribuição de recursos materiais e capacidades. Ou seja, os atores interagem de acordo com as noções e os valores interiorizados ao longo de seu processo histórico de formação, bem como em conformidade com as atribuições conferidas à realidade material, além do processo de socialização que, segundo Wendt (1999:16), é um dos efeitos da estrutura internacional e se caracteriza como o processo de adaptar o próprio comportamento às expectativas da sociedade.
Com o estabelecimento dessas relações, forma-se um entendimento intersubjetivo entre atores. De acordo com Adler (1997: 334), essa intersubjetividade não se refere apenas ao somatório das crenças dos diversos atores, mas à formação de um conhecimento coletivo compartilhado, que torna as ações possíveis e deve influenciar o comportamento. Ou seja, esta construção social de significados compartilhados opera como uma espécie de avaliação do comportamento, fazendo com que as ações sejam percebidas como concebíveis ou não. Segundo Douglas (1998: 119), o estilo de pensamento de uma coletividade introduz e treina a percepção deste grupo social acerca do mundo. É este “estilo de pensamento” que determina o que pode ser considerado razoável ou não, falso ou verdadeiro. Ou seja, o entendimento compartilhado por determinados atores é que atua como parâmetro para suas ações e tomadas de posição, orientando o comportamento através do processo de socialização, fazendo com que o Estado se adapte às expectativas da sociedade. Desta forma, é possível perceber uma interação dupla entre os atores e estruturas sociais, na medida em que os valores e crenças compartilhadas formam esta estrutura, ao mesmo tempo em que a estrutura (neste caso, o processo de socialização) molda o comportamento dos atores.
De acordo com a lógica construtivista, a partir da formação deste conhecimento coletivo compartilhado podem se formar instituições no sistema internacional. Estas só existem na medida em que os atores sociais compartilham uma percepção coletiva acerca de determinadas ideias, passando a integrar o padrão de entendimento coletivo (Adler, 1999: 228). Assim, essas percepções se cristalizam e se institucionalizam. Isso ocorre na medida em que novas interpretações e percepções do mundo material são bem-sucedidas na resolução de problemas e questões internacionais (Adler, 1999: 232). Como aponta Guzzini (2003: 6), a compreensão das instituições se associa à “ideia fundamental de que as práticas sociais são o efeito do inter-relacionamento entre a construção social de sentido e a construção do mundo social”. As instituições internacionais funcionam, portanto, como um canal de expressão do entendimento intersubjetivo compartilhado.
As instituições podem, a partir da sua atuação no sistema internacional, além de ter caráter socializador, oferecer a possibilidade de identidades coletivas, estas que superam as identidades nacionais, abrindo caminhos alternativos para a construção de interesses dos Estados (Messari, 2003: 36).
Segundo Nogueira (2003: 34): “As teorias construtivistas oferecem uma perspectiva inovadora sobre como as instituições podem influenciar a ação dos Estados na política internacional”. Assim, as instituições internacionais atuam como possíveis canais de transformação da definição de interesses (Herz & Hoffmann, 2004: 76) e produzem novos entendimentos entre os atores, podendo alterar o processo de tomada de decisão, favorecendo o processo cooperativo.
Uma perspectiva construtivista das Organizações Internacionais
Segundo Haas (1990: 21), as instituições internacionais se configuram como regimes internacionais – conjunto de princípios, normas, regras e processos de tomada de decisão em torno de uma área das Relações Internacionais (Krasner, 1993: 14) – enquanto as organizações internacionais são agentes que estabelecem regras para solucionar um problema específico ou vários.
Assim, as organizações internacionais representam coalizões de interesses dos Estados, que refletem princípios e normas compartilhados, em volta de uma ou várias questões. As organizações, portanto, não criam as normas e princípios orientadores, apenas os refletem (Haas, 1990: 25). Em outras palavras, as organizações internacionais expressam uma instituição internacional.
Desse modo, as organizações se estruturam a partir da formalização de um conhecimento coletivo compartilhado entre os atores e construído socialmente, que determina a compreensão dos atores do sistema internacional e de suas interações, bem como a definição dos interesses de cada um deles, e atua no sentido de orientar não apenas o comportamento de seus membros, mas também de moldar sua visão de mundo (Aires, 2007: 9).
Portanto, fica claro que, do ponto de vista construtivista, as organizações internacionais são entendidas como atores relevantes no cenário internacional, pois expressam entendimentos coletivos acerca da realidade, ao mesmo tempo em que atuam como guias para o comportamento dos atores. A importância dessas organizações deriva, em grande parte, do caráter socializador que o construtivismo lhes confere, uma vez que estabelece padrões formais de interação e de concepção do sistema internacional.
Guilherme Carrazzoni
Estudante de Ciência Política e Relações Internacionais | Ramo de Relações Internacionais
FCSH-UBI
Leituras recomendadas
Alves, J. (2001). Relações Internacionais e Temas Sociais. Brasília: Instituto Brasileiro de Relações Internacionais.
Bennet, L. (1995). International Organizations. New Jersey: Prentice Hall.
Hopf, T. (1998). The promise of constructivism in international relations theory. International Security, 23 (1.)
Bibliografia
Adler, E. (1997). Seizing the Middle Ground: Constructivism in World Politics. European Journal of International Relations, 3(3), pp. 319-363.
Adler, E. (1999). O Construtivismo no Estudo das Relações Internacionais. Lua Nova, 47.
Aires, M. (2007). As Organizações Internacionais e seu papel no sistema internacional: Uma perspectiva construtivista. Revista Três Pontos, 4(1), pp. 7-14.
Douglas, M. (1998). Como as instituições pensam. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.
Guzzini, S. (2003). Constructivism and the Role of International Institutions in International Relations. Copenhagen: Copenhagem Peace Research Institute.
Haas, B. (1990). When knowledge is power: Three Models of Change in International Organizations. Berkeley: University of California.
Herz, M. & Hoffmann, A. (2004). Organizações Internacionais: história e práticas. Rio de Janeiro: Elsevier.
Krasner, D. (1993). Structural Causes and Regime Consequences: Regimes as Intervening Variables. In: Stephen D. Krasner (org): International Regimes. Ithaca and London: Cornell University Press.
Messari, N. (2003). Segurança no pós-Guerra Fria: o papel das instituições internacionais. In: Paulo Luiz Esteves (org): Instituições Internacionais: segurança, comércio e integração. Belo Horizonte: PUC Minas.
Wendt, A. (1995). Constructing International Politics. International Security, 20.
Wendt, A. (1999). Social Theory of International Politics. Cambridge: Cambridge University Press.